Revista de Arquelogia romana
A IgrejA de S. gIão
Ano I - nº 1 - Abril 2012
(Nazaré)
oS SegredoS SuBAquÁtIcoS
de cAllIPuS
FuNdeAdouro dA BerleNgA e o
Seu PoteNcIAl ArqueológIco
o Projecto IPSIIS
Índice
destaque
Todos
os
investigadores
que
até à data estudaram S.Gião da
Nazaré classiicam esta igreja como
sendo de origem visigótica.
Terão sido levados a isso pela existência da parede que divide o cruzeiro da nave central da igreja,
constituído por uma porta e duas
janelas com arcos ultrapassados,
iconóstase.
Por Adriano Monteiro, Engº.
pág. 42
pág. 4
Notícias
pág. 6
Fundeadouro da Berlenga
e o seu potencial arqueológico
pág. 16
VISITE - Museu Arqueológico do Carmo
pág. 23
Índice
IgrejA de S. gIão dA
NAzAré
Editorial
Cortiçais
História de um naufrágio romano em Peniche
pág. 24
Transportando vinho pelo Mosela.
O “barco do vinho” de Neumagen.
pág. 28
O Projecto IPSIIS
pág. 32
Uma Villa romana no Rossio da Pederneira?
pág. 36
A igreja de São Gião da Nazaré
pág. 42
Foto-reportagem
pág. 50
Mosaico de Cós – “Os relatos de J.L.Vasconcelos” pág. 56
O Acampamento romano
FuNdeAdouro dA BerleNgA e o
Seu PoteNcIAl ArqueológIco
Por Alexandre Monteiro
pág.16
de Alto dos Cacos (Almeirim)
Uma peça um Museu – Museu Dr. Joaquim Manso pág. 63
o Projecto IPSIIS
Por José de Sousa
pág.32
oS SegredoS SuBAquÁtIcoS de cAllIPuS
Por: Sónia Bombico
pág.64
pág.
2
pág. 60
Os Segredos Subaquáticos de Callipus (Sado)
pág. 64
“LUDI CEREALES” – Os ovos da pascoa
pág. 70
O Desenho e a Ilustração na Arqueologia
pág. 74
O mosaico Romano
pág. 81
Sabia que... «As mulheres em Roma…»
pág. 86
Lendas e Estórias
pág. 93
Roteiro Arqueológico Romano
do Concelho de Cascais
pág. 94
pág.
3
E
m Abril comemora-se o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, este ano
sob o lema “proteger e gerir a mudança”,
um tema proposto pelo ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e
Sítios) a que o (extinto) IGESPAR se associa, tendo como parceiras muitas entidades públicas e privadas.
Do nosso ponto de vista, o tema seleccionado adequa-se na perfeição a este
projecto «Portugal Romano» e à missão
que diariamente tentamos levar a cabo,
em prol do legado romano em Portugal.
Os dias que correm em Portugal são
difíceis, com resultados nefastos para o
nosso património arqueológico que tem
sido, em muitos casos, um alvo fácil para
atentados à sua integridade. Será a altura
de GERIR A MUDANÇA, “desenterrar”
novamente este potencial de riqueza arqueológica e direccionar esforços para o
seu enraizamento no turismo cultural, em
franca expansão na Europa.
Os Municípios e entidades governamentais devem e podem ajudar nesta mudança. Não é altura para nos escondermos, é
hora de agir, criar e promover.
A nossa história continua por contar em
muitos recantos de Portugal. A divulgação
deste sítios pode ser uma nova fonte de
riqueza para as forças vivas dos Municípios e uma importante ajuda para ajudar
todos os Portugueses a ultrapassar a Crise, pois permite sedimentar integridades
culturais e encontrar novos recursos.
“Faça férias cá dentro” dizia o slogan
pág.
4
editorial
Proteger e gerIr A mudANçA
do Turismo de Portugal: hoje, mais que
ontem, é a grande solução para a nossa
economia familiar e nacional.
No sentido de PROTEGER o nosso
património, o projecto «Portugal Romano.
com» vai desenvolver algumas iniciativas
durante o mês de Abril, sendo esta a nossa forma de comemorar a data Mundial
dedicada aos Monumentos e sítios.
Destaco a iniciativa a realizar na Cidade
Romana de Miróbriga, Santiago do Cacém,
onde será apresentado novamente o projecto e excerto do documentário que nos
encontramos a elaborar sobre este sítio
arqueológico, em parceria com a Liga de
Amigos de Miróbriga.
Iremos também realizar um passeio arqueológico em Olisipo, “A Lisboa Romana”, porque o conhecimento dos locais e a
sua divulgação são o caminho para a sua
protecção e valorização.
Para inalizar o mês de Abril teremos
ainda uma acção de voluntariado na Villa
Romana de Freiria em parceria com o Município de Cascais, que terá como objectivo colaborar na sua limpeza e corte de
vegetação.
Esta iniciativa será completada com uma
palestra no local sobre essa importante
Villa Romana pelos arqueólogos responsáveis na sua escavação, Professor Doutor José d’Encarnação e o Mestre Arqueólogo Guilherme Cardoso.
Em Maio, esperamos, com a adesão ao
Dia dos Museus, poder também contribuir
para a divulgação do Património Móvel romano.
Em todos os projectos existe um objectivo,
o nosso são as pessoas, portugueses,
espanhóis, brasileiros, ingleses, um sem
número de pessoas que nos acompanham, que partilham e recebem informação
sobre o nosso património romano e que
connosco querem colaborar nesta tarefa
de conhecer e conservar uma herança comum.
Hoje quero saudar um de vós e, com este
acto simbólico, fazer saudação e agradecimento a todos, pela presença desde
a primeira hora, pela colaboração, pelo incentivo e apoio. Obrigado Teresa Teresa
Monteverde Plantier Saraiva!
Espero que este Número 1 da Revista
«Portugal Romano.com» seja do vosso
agrado, pois tem sido para esta equipa um
enorme prazer poder concebê-la e levar
por diante a sua elaboração com o contributo de arqueólogos e de investigadores
a quem aproveito também para saudar e
agradecer.
A partilha de conhecimento e divulgação
é mais um passo para Proteger e gerir a
mudança!
Raúl Losada
Ficha técnica
direcção:
Director: Raúl Losada
Dir. Cientíica e Redactorial: Filomena Barata
Dir. de Imagem e de Arte: Miguel Rosenstok
contactos:
geral: portugal.romano@gmail.com
publicidade: info@portugalromano.com
colaboradores externos neste número:
Alexandre Monteiro; Maria Duran Kremer;
Guilherme Cardoso; José de Sousa;
Adriano Monteiro; Carlos Fidalgo
Sónia Bombico; Duarte Fernandes Pinto;
César Figueiredo; João Pimenta.
estatuto editorial
1. A PortugalRomano.com é uma publicação bimensal, podendo vir a tornar-se mensal, que aborda várias temáticas
relacionadas com a Arqueologia e a História, com especial
ênfase para a ocupação romana do actual território português. Os princípios que aqui se descrevem também se
aplicam ao site ou a qualquer outra extensão de marca PortugalRomano.com .
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constitucionais da Liberdade de Expressão e de Informação.
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e cientíicos de Rigor e Isenção, respeitando todas as opiniões ou crenças.
4. Os jornalistas da PortugalRomano.com comprometemse a respeitar escrupulosamente o código deontológico de
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História e Arqueologia.
5. Todos os textos e imagens veiculados pela PortugalRomano.com em qualquer suporte são de autoria reconhecida.
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ordenar, interp- retar e relacionar os factos e acontecimentos.
7. A PortugalRomano.com compromete-se a respeitar o
sigilo das suas fontes de informação, quando solicitado,
não admitindo, em nenhuma circunstância, a quebra desse
princípio.
8. A PortugalRomano.com cumpre a Lei de Imprensa e as
orientações deinidas neste Estatuto Editorial e pela sua Direção.
9. A PortugalRomano.com, na sua revista, tem um Director,
uma Direcção Cientíica e Redactorial e uma Direcção de
Imagem e de Arte, podendo vir a sentir-se a necessidade de
vir a ser criado futuramente um Conselho editorial.
pág.
5
APreSeNtAção eNcoNtrhArte
deScoBertAS oSSAdAS
romANAS
juNto A FAro
Notícias
Os primeiros Encontros de História da Arte da
Antiguidade, Encontrharte, pretendem reunir
um conjunto de estudiosos especializados em
diferentes áreas de investigação (pintura, escultura, arquitectura, mosaico, cerâmica grega,
entre outros) da História da Arte da Antiguidade
Clássica e Tardia em Portugal e em Espanha.
É sua ambição, igualmente, dar a conhecer
o potencial metodológico da História da Arte
através da sua articulação com áreas disciplinares distintas como a Arqueologia, a História, a
Filososoia, a Literatura, a Geologia.
O Encontrharte conta com o vigor da investigação cientíica na área da História da Arte
da Antiguidade Clássica e Tardia em Portugal,
herdeira dos trabalhos dos Professores Bairrão
Oleiro e Justino Maciel, renovando-se numa
geração de jovens investigadores.
O tema deste 1º Encontrharte é Horizontes
D
Artísticos da Lusitânia organizado em três
sessões que tratarão Abordagens e Metodologias, Espaços, Materiais e Formas e, inalmente, Iconograias.
A inspiração para a investigação em História da
Arte será sempre a importância inteligível do
olhar, numa aprendizagem constante da leitura
e compreensão da linguagem da obra da Arte.
“A mulher romANA” No muSeu
muNIcIPAl de VIlA PoucA de AguIAr
“A Mulher Romana nas moedas do Museu de Vila Real”
é o tema da exposição actualmente patente no Museu Municipal de Vila Pouca de Aguiar até o próximo dia 4 de Maio.
Trata-se de mais uma oportunidade para apreciar a importância das mulheres ao longo da história do Império Romano
- mães, esposas, ilhas, amantes, mais ou menos sérias,
ardilosas, astutas, inteligentes... mulheres. Representadas
nas moedas do Museu de Arqueologia e Numismática de
Vila Real, em nome próprio ou como divindades.
O espólio composto por 18 painéis e moedas insere-se na
itinerância do Museu de Arqueologia e Numismática de
Vila Real e pode ser vista de 3ª a 6ªfeira, 14H00 às 17H30,
Sábado e Domingo, 15H00 às 17H30.
Mais informações: Tel: 259403133 / 961537588
E-mail: geral@vitaguiar
pág.
6
“Foram encontrados 52 fragmentos de corpos, que serão da época romana”, conirmou ao CM Macário Correia, presidente da
Câmara Municipal de Faro, acrescentando
que está a ser feito um levantamento de
tudo, no local, por uma equipa de técnicos
esde inais de Dezembro que estão a de arqueologia da Estradas de Portugal.
ser desenterradas ossadas, que se suspeitam ser da época romana, na zona da
Ribeira da Lavadeira, em frente à Pista Na área, foram descobertas várias campas
de Atletismo de Faro. Foram descobertas com ossadas humanas e a maioria delas
quando estavam a ser realizadas escav- já foram abertas e os corpos foram transações para a construção da Variante Norte. portados para análise. Suspeita--se que
os corpos descobertos datem da altura em
que os romanos estiveram em Faro, quando a cidade se denominava Ossónoba, no
período entre os séculos III a. C. e V d. C.
Foram ainda desenterrados vários artefactos.
Enquanto estiverem a decorrer as escavações, o que, ao que tudo indica, deverá
demorar mais um mês, as obras da Variante Norte de Faro à Estrada Nacional 125
não vão poder avançar na zona. Macário
Correia reconhece o impedimento das
obras, mas lembra que aquela não é a
única razão para que haja atrasos na construção da Variante.
“Há vários troços, que não têm nada a ver
com aquele local, que já poderiam ter sido
construídos e ainda não o foram. O moAs obras estão paradas desde essa altura tivo por ainda não terem sido construídos
e só deverão arrancar quando estiver feito prende-se com razões inanceiras, e não
todo o levantamento arqueológico, daqui a por essas escavações arqueológicas”,
referiu o autarca farense.
mais um mês.
Fonte: Correio da Manhã (foto:Tiago Griff)
pág.
7
INScrIção do cABeço dAS
FrÁguAS No muSeu NAcIoNAl
de ArqueologIA
al Arqueologia, Dr. Luís Raposo, na justiicação
geral da exposição, “(...) a pretendida eternidade
da civilização latina (Roma aeterna) será nesta
exposição confrontada com as fortes continuidades locais, que remontam à Pré-história e se
manifestam até à actualidade na cultural popular
portuguesa.
Neste quadro, a Lusitânia emergirá como uma
eternidade por si própria (Lusitania aeterna), incorporando valores indígenas e autóctones, de
tal forma que as crenças do presente podem ser
iluminadas por estas raízes profundas, de tão
longa duração (...)”.
reABerturA do Núcleo
muSeológIco cASA romANA
do muSeu de mértolA
No
pertencente ao Museu da Guarda e executado
pelo Instituto Arqueológico Alemão, integra, actualmente, a exposição temporária “Religiões da
Lusitânia. Loquuntur saxa” do Museu Nacional
de Arqueologia.
Recorde-se que este molde foi apresentado pela
primeira vez na exposição temporária “Porcom,
Oilam, Taurom |Cabeço das Fráguas, o santuário
no seu contexto” realizada a 30 de Maio de 2010.
Trata-se de uma cópia, à escala natural, do texto
epigrafado numa rocha, localizada no santuário
do Cabeço das Fráguas, no ponto mais elevado
de um recinto fortiicado, ao qual se terão deslocado as populações das terras em redor para
celebrar os seus ritos, desde o século VIII a.C ao
inal do século I d.C.
O texto descreve um sacrifício de tipo suovetaurilia dedicado a várias divindades indígenas. Ao
apresentar um texto religioso de língua indígena
em alfabeto latino, esta inscrição é também um
importante testemunho da romanização dos cultos indígenas, daí o seu perfeito enquadramento,
na exposição temporária do Museu Nacional de
Arqueologia.
Tal como escreve o Director do Museu Nacion-
pág.
8
dIA INterNAcIoNAl
doS moNumeNtoS
e SÍtIoS
18 de ABrIl
Do Património Mundial ao Património Local:
proteger e gerir a mudança
Vários locais
Tendo por base a proposta do ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios)
para 2012, o IGESPAR convida todas as entidades, públicas e privadas, a associarem-se à
celebração deste dia, subordinado ao tema Do
Património Mundial ao Património Local – proteger e gerir a mudança.
À semelhança das edições anteriores o IGESPAR apresentará uma programação geral das
actividades que vierem a ter lugar, procedendo à
respectiva divulgação.
cursos livres 2012 - técnicas de registo
em Arqueologia
Para
Fonte: Museu da Guarda
Foto: Correio da Guarda
O molde da inscrição do Cabeço das Fráguas,
cAmPo ArqueológIco de mértolA
âmbito da iniciativa da Câmara Municipal de Mértola “Lembrar Serrão Martins”, reabre no dia 27 de março, às 17h30,
o núcleo museológico Casa Romana.
Neste núcleo museológico, inaugurado há
24 anos, procedeu-se a uma remodelação
total da exposição permanente que conta
com a introdução de novos objetos representativos das intervenções arqueológicas
realizadas em Mértola nos últimos anos, e
com a alteração de conteúdos e do design
gráico dos suportes informativos.
A remodelação deste núcleo museológico
foi possível graças ao Projeto Rede Urbana para o Património, inanciado pelo
Programa Inalentejo, e à colaboração do
Campo Arqueológico de Mértola no que
respeita à atualização de conteúdos e
conservação e restauro de objetos.
in Site Câmara Municipal de Mértola
o 1º Semestre de 2012, o Campo
Arqueológico de Mértola realiza quatro
Cursos Livres, relacionados com as Técnicas de Registo em Arqueologia. Este
tipo de cursos livres inserem-se no plano
formativo desta instituição, tendo como
objectivo formar e diversiicar o conhecimento intrínseco à matéria da Arqueologia
e Património. Os destinatários destes cursos de livre coniguração são sobretudo
estudantes de Arqueologia e proissionais
da área da Arqueologia e Património que
sentem a necessidade de aprofundar conhecimentos em áreas pouco desenvolvidas na sua formação proissional ou até
mesmo académica. Os cursos livres, segundo a temática, poderão ter a duração
de um a três dias, com horário total de
sete horas diárias, com sessões teóricas
e práticas, segundo a programação destinada a cada curso.
Desenho de Materiais Arqueológicos - por
Guida Casella 30 e 31 de Março de 2012
Ilustração para Interpretação e Divulgação
de Património - por Guida Casella 20 e 21 de Abril de 2012
Fotograia básica para arqueologia: estruturas e peças – por Rossana Torres –
18 e 19 Maio de 2012
Sistemas de Informação Geográica em
Arqueologia – Dados e Métodos – por André Mano -7, 8 e 9 Junho de 2012
Mais informações em: http://www.camertola.pt/article/cursos-livres-2012-tecnicas-de-registo-em-arqueologia
pág.
9
VAlorIzAção do “teAtro romANo de BrAcArA AuguStA”
museu de Arqueologia d. diogo de Sousa
de 30 de março a 22 de Abril de 2012
E
xposição das Propostas de Valorização das
ruínas arqueológicas do “Teatro romano de Bracara Augusta” realizadas no âmbito do Curso
CEAPA-FAUP (Metodologias de Projecto – Semestre 1) sob a regência do Prof. Pedro Alarcão.
Objecto de Intervenção: Vestígios do Teatro Romano de Bracara Augusta, edifício do inicio do
século II d.C., localizado no Alto da Cividade, em
Braga.
Tema – Conservação, reconstituição ou reabilitação do património arqueológico
Programa da Intervenção: Pretende-se o estudo
e desenvolvimento de uma solução que garanta
a conservação dos vestígios arqueológicos, a
sua fruição pública, o aumento dos seus níveis
de inteligibilidade e, procurando dar resposta à
Carta de Verona e à Declaração de Segesta, permita dotar o espaço de condições mínimas para
acolher espectáculos de pequena dimensão.
Entendido numa vertente arqueológica, este
património, fragmento de uma arquitectura do
passado, como a ruína, denuncia, simultaneamente, uma presença e uma ausência. A sua exigência de inteligibilidade é, antes de mais, um
convite à reconstrução, que será proposto aos
estudantes através do desenho, tal como foi utilizado na origem, como instrumento de concepção, mas no sentido inverso, da ruína ao edifício,
ou à cidade.
A proposta, que deverá integrar as construções
de apoio à visita das Termas Romanas (Posto de
Atendimento, Sanitários para público e Cobertura), da autoria do Arq. Sérgio Borges, deverá
ter em conta a resposta aos seguintes requisitos: acessos e vedação, percursos de visita, dispositivo para exposição de vestígios do teatro,
espaço para espectáculos (com lotação mínima
de 500 espectadores, bastidores com sanitário e
balneário e sanitários para público).
Exposição e Apresentação das propostas de valorização das ruínas arqueológicas do “Teatro romano de Bracara Augusta”
pág.
10
Atravessaram meia Europa.
Travaram batalhas intermináveis.
Dominaram durante quatro séculos.
Porquê?
Julgamos ter a resposta.
Produtos tradicionais portugueses.
Directamente do produtor para si.
Praceta Fernando Valle, 2º
1750-489 Lisboa
comercial@aroundfield.pt
www.aroundfield.pt
www.villaportucale.com
T: (+351) 210 992 871
M: (+351) 919 853 537
pág.
11
direção regional de cultura do
Algarve promove «Festa do livro»
A direção regional de Cultura do Algarve
promove, entre os dias 1 e 22 de abril, a
«Festa do Livro», com o objetivo de potenciar a difusão de conhecimento nesta
área, através da realização de grandes
descontos em publicações de referência.
A iniciativa irá decorrer nas lojas da Fortaleza de Sagres (Vila do Bispo) e Villa Romana de Milreu, onde todos os visitantes
poderão usufruir de grandes descontos
em publicações técnicas e cientíicas ligadas ao património, mas também a outros
universos culturais.
Esta é uma excelente oportunidade não
só para estudantes, como para todos os
interessados em áreas como história, arqueologia, arquitetura e fotograia, que
poderão adquirir livros a partir de 1 euro.
A iniciativa associa-se à comemoração do
Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, que pretende sensibilizar os cidadãos
para a diversidade e vulnerabilidade do
património, bem como para o esforço envolvido na sua protecção.
pág.
12
PlAcA VotIVA de SAlAcIA
“Epigraia romana recentemente publicada e descoberta em Outubro de 2011 por
Justino Pedro na área do Forum de Salacia (actual Alcácer do Sal), referente a um
Liberto Quinto Pórcio (ou Pompeu).
“Atendendo ao facto de Salacia ter sido
Imperatoria, uma designação atribuída
por Sexto Pompeu, ilho do Quinto, dito
«o Magno», seria aliciante pensar que PO
(do O temos apenas a metade) pudesse
desdobrar-se em POMPEI. 1
revista
temPoS dIFereNteS requerem
SoluçõeS dIFereNteS
DEDICA/VIT // [Q(uintus] · PORCI (vel
POMPEI)]VS
(hedera) Q(uinti) · PO[RCI vel MPEI] / [LIB
(ertus)] ·
[H]EMERO[S]
revista Portugalromano.com, soluções de publicidade à sua medida.
«Dedicou Quinto Pórcio (ou Pompeu)
Hémero, liberto de
Quinto Pórcio (ou Pompeu).»
portugal.romano@gmail.com
info@portugalromano.com
mais informações:
(1) excerto em http://www.uc.pt/luc/iarq/pdfs/Pdfs_FE/
FE_93_2012 - por José d’Encarnação e Marisol Ferreira.
pág.
13
uma iniciativa
divulgação
ludI cereAleS
Vem decorar ovos para ceres!
«Na Antiga Roma e nesta precisa época do ano, ofereciam-se
a Ceres – a principal deusa que tutelava o «renascimento» da
Natureza por ocasião do despertar da Primavera – ovos, símbolo
de fecundidade, de fertilidade e do próprio mundo, que a deusa
tinha de novo enriquecido com a germinação dos cereais.» Hoje,
a nossa Páscoa retoma e recupera essa tradição, que remonta há
25 séculos!
Assim, no inal desta actividade, todos vão compreender que
muitos dos costumes actuais têm a sua origem nos festivais
pagãos da Antiguidade Greco-Romana, e como esta velha prática
passou a fazer parte de uma das mais importantes celebrações
do Ano Cristão.
Decorar ovos para Ceres será, pois, a actividade proposta!
Público-alvo: dos 5 aos 12 anos
Sábado, dia 14 de Abril, pelas 14.30
estamos á vossa espera
Acesso: 4 euros mediante inscrição prévia no museu
MORADA
Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas
Av. Prof. Dr. D. Fernando de Almeida, São Miguel de Odrinhas,
São João das Lampas, Sintra
TLF (+351) 219 609 520
Divulgação e educação
divulgacao-masmo@sintraquorum.pt
pág.
14
pág.
15
FuNdeAdouro dA BerleNgA e o
Seu PoteNcIAl ArqueológIco
(Peniche)
por: Alexandre monteiro
foto: duarte Fernandes Pinto
A Terceira Dimensão - Fotograia Aérea
A
pesar dos mitos sobre a perigosidade da navegação para além do Estreito
de Gibraltar, está implícita nos testemunhos dos geógrafos e historiadores da Antiguidade a evidência de uma navegação
de rotina ao longo da costa atlântica da
Península Ibérica tanto mais que as excelentes qualidades náuticas dos navios de
tradição mediterrânica da época romana
– designadamente dos próprios navios de
carga de grande tonelagem – permitiamlhes remontar ao vento, bolinando em
condições que os levavam a navegar, vindos do Mediterrâneo, para além do cabo
de São Vicente.
PreSeNçA romANA No mAr dAS BerleNgAS
Testemunho irrefutável da presença romana, o mar das Berlengas apresenta
actualmente o maior conjunto, conhecido
de ânforas provenientes de meio marítimo
português – facto que tem, aliás, um complemento imediato nos achados de cepos
de âncora em chumbo. Com efeito, entre
1984 e 1988 foram recuperadas cerca de
uma dúzia de ânforas romanas, a sudeste do Carreiro do Mosteiro e a cerca de
23 metros de profundidade. Destas duas
eram do tipo Dressel 1 bem como algumas Lusitanas – tipos 2 e 4 – compreendidas entre a primeira metade do século
I e os inais do século II; e deste até aos
inais do século V, respectivamente.
pág.
16
pág.
17
Em todo o caso, o tipo Haltern 70 – datável de um período compreendido entre os
meados do século I a.C. e os meados do
século seguinte – surge como o mais bem
representado, correspondendo a cerca de
50% das ânforas registadas.
Complementarmente aos achados de ânforas, foi localizada uma vintena de cepos
de âncora em chumbo – habitualmente
atribuídos à época romana quando, na
realidade, se considera hoje que a sua
utilização se terá generalizado a partir do
século IV a.C. – a maioria dos quais recuperadas de uma zona, ao largo, deinida
e salvadores dos náufragos, símbolo por
excelência da navegação tranquila.
o mAIS ANtIgo cePo de âNcorA
coNhecIdo de todA A ANtIguIdAde
Curiosamente, um dos grandes cepos recuperados na Berlenga possuía ainda alguns fragmentos da alma de madeira, o
que permitiu determinar por radiocarbono
o período da sua manufactura. A sua datação – compreendida entre os inais do
século V e o início do século IV a.C. – faz
com que este cepo pré-romano seja o
mais antigo cepo de âncora conhecido de
do Pessegueiro – em que escavações
arqueológicas mostraram uma ocupação
romana compreendida entre os séculos I
e IV d.C. – é de supor que um território
deste tipo, a uma distância confortável da
costa e rica em recursos naturais, tenha
atraído pescadores que se estabeleceram
na ilha de uma forma mais ou menos per-
e cronológica (República, Alto e Baixo
Império) que sugerem uma ocupação, se
não continuada no tempo, pelo menos
frequente. A presença de material de
construção, nomeadamente tegulae,
poderá indiciar a existência de estruturas
construídas no local, em cota mais elevada, preservadas ou não.
mergulhador Nuno tiago em registo subaquático nos cortiçais (costa sul de Peniche). (Foto de leonel Silva)
pela área compreendida entre o Carreiro
do Mosteiro, a Fortaleza, o Melreu e a enseada de Flandres. Alguns destes cepos
apresentam motivos decorativos, nomeadamente ossinhos em relevo em duas
faces alternadas dos braços – alinhados
no lance da sorte representam o talus, o
jogo mais popular da Antiguidade, com
um signiicado augural e auspicioso – e
golinhos – protectores dos navegantes
pág.
18
cepos romanos do museu de Peniche
toda a Antiguidade podendo mesmo fazer
recuar a data em que se pensava ter ocorrido a generalização do uso de cepos em
chumbo no Mediterrâneo.
o PoteNcIAl ArqueológIco
do ArquIPélAgo
À semelhança do que ocorre com a ilha
manente, à semelhança do que ocorre
hoje em dia. Com efeito, na escavação
arqueológica conduzida no passado pelas
arqueólogas Jacinta Bugalhão e Sandra
Lourenço, do antigo Instituto Português
de Arqueologia, foram encontrados, não
só vestígios do Mosteiro, como também
– e algo surpreendentemente – materiais arqueológicos romanos, em quantidade, qualidade e diversidade tipológica
Já no que respeita a achados subaquáticos – para além das bocas de fogo assinaladas junto à fortaleza e a um esplêndido
berço em bronze de tipologia manuelina,
recuperado em 1982 e a 25 metros de
profundidade por uma equipa do Museu
do Mar de Cascais – destacam-se os
vestígios da Antiguidade, nomeadamente
ânforas e cepos.
Não é possível estabelecer com seguranpág.
19
ça as razões das perdas dos cepos descobertos nas Berlengas, tanto mais que a
maioria dos fundos onde os achados se
veriicaram não é de molde a justiicar,
aparentemente, perdas por prisão ou retenção. Naturalmente, nestas condições,
a hipóteses de provirem de naufrágios
parece aliciante, mas até à data nenhuma
evidência arqueológica permite ainda fundamentar esta hipótese.
quentada por mergulhadores amadores –
facto naturalmente propício a uma maior
frequência de descobertas – isso não impede que seja colocada a hipótese de se
estar em presença de vestígios de naufrágios. Tal hipótese poderá ser corroborada
pelo facto de existir, percentualmente,
uma grande concentração de ânforas do
tipo Haltern 70 a indiciar um naufrágio datável de cerca do século I a.C. e até por
ados neste artigo. Estamos em crer que o
potencial arqueológico desta ilhas é imenso. Para tal contribuem as boas condições
de preservação dos fundos arenosos, a
relativa profundidade, a navegabilidade
perigosa destas paragens – se em pleno
século XX, ocorreram tantos naufrágios,
por força maior ocorreriam muitos mais
nos séculos antecedentes – e o relativo
desconhecimento dos fundos em volta.
Quem sabe que surpresas nos reservará
o próximo mergulho nas Berlengas?
moeda romana
Sestertius 32mm emissão
de roma em 131 d.c.
Anverso:
hAdrIANVS AVgVStVS,
renverso:
embarcação com cinco remadores a navegar através
das ondas,
FelIcItAtI / AVg em duas
linhas em cima, coS III P P
em baixo, S - c à esquerda
e à direita.
Quanto às ânforas – que, enquanto carga
de barcos nos permitem aferir cronologias por associação entre vários tipos e
variantes de ânforas ou com outros materiais datáveis, assim como rotas de tráico marítimo – estão muito longe de ter
a importância de que à primeira vista se
poderia pensar. Com efeito, trata-se de
materiais de associação duvidosa e até
mesmo de localização imprecisa, numa
disposição consistente com existência de
um fundeadouro milenar.
Por outro lado, se esta relativamente “elevada” taxa de localização de ânforas e
cepos de chumbo é justiicável por a Berlenga ser uma das áreas do país mais frepág.
20
terem existido cepos muito próximos uns
dos outros, nas proximidades dos quais
foram achados fragmentos de cerâmica.
Mas, mais uma vez, esta hipótese perde
consistência pela até não veriicação da
existência de madeirame e pela dispersão
dos achados, o que parece apontar para
que as Berlengas tenham sido, antes
como agora, uma concorrida zona de abrigo, de escala e de espera de condições
de navegação propícias, para além de,
como é óbvio, haver ainda uma zona de
ancoradouro no apoio ao povoado insular.
O que não quer dizer que não existam
mais naufrágios, para além dos referenci-
foto: Vista aérea de Peniche - Autor: Duarte Fernandes Pinto - A Terceira Dimensão - Fotograia Aérea
Bibliograia
ALVES, F. et al (1989) Os cepos de âncora em chumbo descobertos em águas portuguesas – contribuição
para uma relexão sobre a navegação ao longo da costa atlântica da Península Ibérica na Antiguidade. In O
Arqueólogo Português, série IV. Vol. 6/7.
ALVES, F. (1994) Os dois cepos de âncora em chumbo pré-romanos da ilha Berlenga. Relatório. Lisboa: Centro
Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática
BANDEIRA, L. (1984) “Berço Manuelino” recuperado ao largo das Berlengas. In Série Arqueológica, vol. 1,
Museu do Mar. Cascais: Câmara Municipal de Cascais.
BUGALHÃO, J. & LOURENÇO, S. (2001) Ilha da Berlenga, Bairro dos Pescadores: relatório dos trabalhos arqueológicos. Relatório interno. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia
DIOGO, A. (1999) Ânforas provenientes de achados marítimos na costa portuguesa. In Revista Portuguesa de
Arqueologia, 2:1. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia.
FERREIRO LOPEZ, M. (1988) La campaña militar de Cesar en el año 61. In MENAUT, G. ed., Actas del 1º
Congreso Peninsular de Historia Antigua. Santiago de Compostela: Universidad de Santiago de Compostela.
SANTOS, J. (1994) As Berlengas e os Piratas. Lisboa: Academia de Marinha
TRINDADE, J. (1985) Memórias Históricas. Lisboa: INCM/Câmara Municipal de Óbidos.
pág.
21
Visite
muSeu ArqueológIco do cArmo
divulgação
INFormAçõeS
morada:
Calçada do Carmo 40
1200 Lisboa
gPS:
38.712886, -9.140979
mapa no google:
http://g.co/maps/bxx7t
Site:
www.museuarqueologicodocarmo.pt/p_museu.html
horário:
De Segunda a Sábado das 10h00 ás
18h00 (Outubro a Maio)
De Segunda a Sábado das 10h00 ás
19h00 (Junho a Setembro)
teatro romano de olisipo (lisboa)
foto: raul losada
pág.
22
pág.
23
O
cortiçais - história de um naufrágio
romano em Peniche
início da nossa história remonta à
Primavera de 2004, quando Luís Santos
Jorge, caçador submarino, avistou alguns
fragmentos cerâmicos por entre o fundo
rochoso dos Cortiçais (costa sul de Peniche). No inal do mesmo ano, foram realizadas missões subaquáticas de veriicação do local sob a responsabilidade
do arqueólogo Jean-Yves Blot, convidado
pela DANS (Divisão de Arqueologia Náutica e Subaquática) e com a participação
de alguns mergulhadores do GEPS
(Grupo de Estudos e Pesquisas Subaquáticas), do Clube Naval de Peniche e
do próprio achador. O material cerâmico
recolhido nessas primeiras missões foi
caracterizado por A. M. Dias Diogo como
fragmentos de ânforas romanas de tipo
Haltern 70 provenientes da província romana da Bética (actual Andaluzia).
O apoio da Câmara Municipal de Peniche, a colaboração do GEPS, de alunos
de Arqueologia da Universidade de Coimbra, de Mário Jorge Almeida (Museu Nacional de Arqueologia) e de um conjunto
de mergulhadores entusiastas da arqueologia subaquática permitiu a progressão
dos trabalhos por mais dois anos.
limpeza de fragmentos de ânforas com sugadora
foto: gonçalo de carvalho
pág.
24
pág.
25
O sítio surge em perfeita relação com
um conjunto de outros vestígios já documentados para a região, entre os quais
os fornos romanos do Murraçal da Ajuda,
produtores de ânforas, e os vestígios arqueológicos da ocupação romana da ilha
Berlenga e utilização do seu fundeadouro.
A recuperação de materiais romanos em
alguns contextos do Tejo, do Arade e na
costa algarvia, tem permitido caracterizálos como presumíveis locais de naufrágio.
No entanto, as sondagens arqueológicas
efectuadas no sítio dos Cortiçais transformaram-no no primeiro caso conirmado
de um naufrágio de época romana em
águas portuguesas.
chegada ao cais das gaivotas após um dia de trabalho
foto: jen-Yves Blot
Enquanto aguardamos que novas campanhas tenham lugar, o mar de Peniche
continuará a guardar os segredos de um
dia de infortúnio para os marinheiros romanos.
Arqueólogas Sónia Bombico e carla maricato em processo de escavação
foto: gonçalo de carvalho
Desta forma, o sítio foi alvo de duas campanhas subaquáticas de sondagem e escavação, realizadas no Verão de 2005 e
2006, respectivamente. Na sequência dos
trabalhos submarinos foram, ainda, realizadas outras duas campanhas de tratamento de material, realizadas no período
invernal.
Para além das ânforas vinárias foram
identiicados fragmentos de cerâmica de
paredes inas e terra sigillata itálica, enquadrável no período cronológico entre 15
pág.
26
a.C. e 15 d.C.
Mas o que faria uma embarcação romana,
com uma carga maioritária de vinho da
Bética, nas águas ao largo de Peniche?
A localização do naufrágio dos Cortiçais
é evidência clara da utilização de uma
rota atlântica de circum-navegação da
Península Ibérica com destino às províncias setentrionais da Britannia e ao limes
germânico, abastecedora das populações
romanizadas e dos exércitos aí acantonados.
Processo de inventariação de fragmentos cerâmicos.
foto: jean-Yves Blot
Ilha da Berlenga
foto: duarte Fernandes Pinto
A Terceira Dimensão - Fotograia Aérea
pág.
27
trANSPortANdo VINho Pelo moSelA.
o “barco do vinho” de Neumagen.
texto e fotos: maria de jesus durAN Kremer
Instituto de história de Arte - FcSh/uNl
INtrodução
O
viajante que, numa bela tarde de
Verão, partindo de Trier, desce o rio Mosela até Koblência - onde vai encontrar
o Reno - atravessa certamente uma das
mais belas paisagens da Alemanha. Serpenteando por entre íngremes encostas cobertas de vinhas por quilómetros
sem im, plantadas num chão xistoso que
armazena o calor do Sol durante o tempo
suiciente para as uvas amadurecerem e
poderem ser vindimadas lá para o Outono,
o rio Mosela foi, no passado ( e ainda o
é, em parte), o caminho preferido para o
transporte de mercadorias. Rodeado de
montanhas em parte inóspitas, o vale do
Rio Mosela continua a ser, ainda hoje,
ponto de referência e de eleição para o
povoamento desta região.
Diz a lenda que, quase 2000 anos a.C.
Trebeta, o ilho mais velho do rei assírio Ninus, expulso da pátria por Semiramis, sua
madastra, veio ixar-se no vale do Mosela,
chamando à sua nova pátria “Treberis”.
Entre 58 e 50 a.C. coube a Júlio César
conquistar a Gália e ixar no rio Reno a
fronteira leste do Império Romano, dominando assim igualmente a tribo celta dos
pág.
28
pág.
29
treverii. Mas, em 16 a.C. e sob Augusto,
fundou-se junto a um templo pagão a que
é hoje a cidade mais antiga da Alemanha
- a augusta treverorum do romanos, Trier.
e 4 portas – das quais a porta Norte se
mantém intacta ainda hoje – Trier desenvolveu uma indústria lorescente de tecidos, olaria, cultura e fabrico de vinho. As
convulsões da História, que reservaram
a esta cidade momentos de apogeu e de
destruição, não conseguiram apagar pelo
menos esta última actividade: Trier é,
ainda hoje, a capital do vinho do Mosela,
produto conhecido e apreciado em todo o
Mundo.
No entanto, a produção e exportação de
vinho, em época romana, concentrou-se
num outro ponto do Mosela: em Neumagen, a 34 km de Trier. Foi aqui que,
para além de uma das mais importantes
praças-fortes romanas, surgiu o maior
centro vitivinícola de todo o vale. Dali partiam os barcos que, rio abaixo rio acima,
asseguravam o abastecimento de cidades,
aldeias e acampamentos.
A cidade cedo se transformou num centro
económico muito importante, chegando a
contar com 60.000 habitantes. Residência do praeses da provincia belgica, rodeada de muralhas com 4 torres de defesa
pág.
30
A riqueza que se desenvolveu com base
na produção e comércio de vinho icou espelhada para sempre nos mausoléus romanos de Neumagen, chegados até nós
graças à sua posterior utilização nos fundamentos de uma praça-forte tardo-romana – noviomagus – erigida em princípios
do séc. IV d.C. Depositados no Museu
do Estado Federado da Renânia-Palatinado (Rheinischen Landesmuseum), em
Trier, permitem-nos admirar ainda hoje
numerosos exemplares de mausoléus
decorados com motivos ligados tanto à
produção de vinho quanto ao seu transporte por barco – geralmente em barris,
nalguns casos em ânforas. Esculpidos, tal
como os mausoléus, em blocos de arenito,
estes barcos constituíam por assim dizer
o “remate” superior dos mausoléus.
O exemplo mais conhecido desse tipo de
decoração funerária é o chamado “barco
de vinho de Neumagen” (Neumagener
Weinschiff). Encontrado igualmente nos
fundamentos de noviomagus, esta representação de um barco romano, datada por
volta de 200 d.C., não pode deixar de ser
interpretada como aquilo que sempre quis
ser: uma alegoria à riqueza do proprietário
do mausoléu. Uma simbologia expressa
também pelas próprias proporções do
navio: relativamente pequeno, apresenta
22 remos para 6 remadores, de cada lado,
os quais, por sua vez, dispõem de pouco
espaço de manobra entre o convés do
barco e a carga do mesmo. No centro, 4
barris bem alinhados, seguros à frente por
mais dois membros da tripulação, atrás o
timoneiro que segura o leme.
A 30 de Setembro de 2007, porém, o rio
Mosela foi de novo descido, pela primeira
vez desde há séculos, por um barco ro-
mano. Construído em Trier e reproduzindo o “barco do vinho de Neumagen”,
mas restituindo-lhe as suas medidas originais (18 m de comprido, 22 remadores), o
stella noviomagi percorre desde então o
Mosela, transportando todos aqueles que
preferem reviver a viagem feita pelos seus
antepassados há mais de 2000 anos. Com
uma diferença: hoje, o stella noviomagi é
movido a motor....
Bibliograia escolhida
Auermann (S.), 2004, „Leben der Römer und Germanen. Geschichte, Alltag, Kunst und Kultur, Glaube
und Tod“, Reinhard Wez Vermittler, Mannheim, pág.
18 – 22.
Binsfeld (W.), Cüppers (H.), Gilles (K.J.), GoethertPolaschek (K), Schwinden (L), 1987, „2000 Weinkultur an Mosel-Saar-Ruwer“, Rheinischen Landesmuseum, Trier.
Bockius (R.), 2007, “Schifffahrt und Schiffbau in der
Antike”, Archäologie in Deutschland, Sonderheft
2007, Stuttgart.
Thiele (K), 7.4.2007, „Wo Römer Reben planzten“,
Mittelrheinische Zeitung.
pág.
31
o Projecto IPSIIS
por: josé de Sousa
fotos: projecto IPSIIS
cerâmicos, e objectos metálicos, que foram
sendo recolhidos por numerosos populares,
tendo-se generalizado a utilização de detectores de metais nessa pesquisa.
D
esde 1970, têm sido efectuadas
sucessivas dragagens nos estuários do rio
Arade e da ria de Alvor, para o desassoreamento do canal de navegação e da bacia de
rotação.
As areias das dragagens tiveram como
destino a alimentação artiicial de algumas
praias dos municípios de Portimão e Lagoa,
pág.
32
ciclicamente desgastadas pelas tempestades invernais e a formação de depósitos de
dragados que originaram um rentável negócio de exploração e venda de areias; por
im, uma parte signiicativa, foi transportada
em batelão, e despejada no mar a várias
milhas da costa.
Foi nessas areias, que apareceram milhares
de artefactos, na sua maioria fragmentos
No Ano de 2000, foi dado início a um projecto totalmente inédito no quadro da arqueologia portuguesa, consistindo numa tentativa
de dar uma resposta adequada aos desaios de tentar salvar o maior número desses
artefactos que têm vindo a ser arrojados e
dispersos, e de tentar aproveitar as sinergias resultantes da generalização do uso
de detectores de metais, prática usual em
tais zonas desde há duas décadas, mas interdita pelo Decreto-lei nº 121/99 de 20 de
Agosto.
Como tal, foi celebrado um acordo de colaboração, entre o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, e um
grupo de cidadãos que desde os anos 80 se
pág.
33
ao CNANS, dos quais constam, a descrição
e identiicação do objecto, a sua foto, o
achador, a data e circunstancias do achado,
e a localização onde foi recolhido, em cartograia georreferenciada.
etiqueta para anilhar asa de ânfora, em
chumbo:
etiqueta rectangular, apresentando como
logótipo, um tridente.
este artefacto destinava-se a anilhar a asa
de uma ânfora, identiicando a oicina que
fabricava o produto transportado.
cronologia: Período romano, Baixo Império
dimensões 115mm x 41mm
em exposição no museu de Portimão
estatueta Votiva, em bronze:
dedicavam à prospecção com detectores de
metais nas áreas anteriormente referidas.
Todos os participantes no projecto assinam um compromisso de honra, em que se
comprometem a cumprir rigorosa e integralmente todos os pressupostos do acordo de
colaboração celebrado com o CNANS.
Trata-se de um projecto de trabalhos arqueológicos, portanto enquadrável no âmbito da legislação aplicável a este domínio
(D.-L. n.º 164/97, de 27 de Junho e D. L. n.º
270/99, de 15 de Julho), que é assumido no
quadro do Plano de Actividades do CNANS
– e não no Plano Nacional de Trabalhos
Arqueológicos – enquanto não dispuser de
enquadramento arqueológico autónomo.
Foram estabelecidas
pela delimitação das
pela declaração dos
através de relatórios
A igura de um touro é uma peça fundida em bronze, pelo
processo da cera-perdida;
cronologia: II Idade do Ferro - dimensões 128mm x 69mm
em exposição no museu de Portimão
normas, passando
zonas a prospectar,
achados efectuada
periódicos enviados
exposição permanente no museu de Portimão
lâmina em cobre, com nervura central, e decorações geométricas em ambas as faces; apresenta-se quebrada e com a ponta
amassada, sinais de ritualização.
cronologia: I Idade do Ferro - dimensões 69mm x 24mm
em exposição no museu de Portimão
pág.
34
Apesar de se tratar de arrojados e, como
tal, de artefactos de que se ignora o respectivo contexto arqueológico, o seu potencial informativo residual, nomeadamente
dos pontos de vista histórico-arqueológico,
tipológico e comparativo, resta incólume;
muitas das peças são inéditas, e podem
agora tornar-se referências importantes na
bibliograia da especialidade.
O acervo resultante destes anos de pesquisa
encontra-se depositado no Museu de Portimão, estando as peças mais importantes
segundo os critérios dos responsáveis pela
musealização, patentes na exposição permanente do museu.
Parte desse espólio foi publicada nas Actas
do 2º Encontro de Arqueologia do Algarve,
(Projecto IPSIIS - Alberto Machado e José
de Sousa), Revista Xelb, n.º 5, Outubro de
2003, e nas Actas do Seminário, Os Museus e o Património Náutico e Subaquático,
Portimão, (Projecto IPSIIS Fragmentos de
História nas Praias do Arade - José de Sousa e Paulo Viegas), Outubro de 2004.
Ao longo dos anos, foi cedida informação
solicitada por diversos estudiosos nacionais
e estrangeiros para estudo e colaboração
em trabalhos de investigação.
O nome do Projecto e o logótipo foram baseados no reverso de uma moeda de Ipses, povoado pré-romano, situado na área
geográica do Município de Portimão (Vila
Velha, em Alvor).
pág.
35
umA VIllA romANA No
roSSIo dA PederNeIrA?
por: carlos Fidalgo
Vista do rossio da Pederneira - Nazaré
por: miguel rosenstok
A
presença romana na periferia da
Laguna da Pederneira encontra-se atestada pela estação arqueológica de Parreitas(1) e pelos trabalhos de arqueologia
levados a cabo no local de São Gião por
Eduíno Borges Garcia(2) e, mais recentemente, pelo professor Luís Fontes(3). Toda
a restante informação advém de achados
fortuitos, que não tiveram origem em trabalhos de arqueologia, e de alguns registos
bibliográicos.
pág.
36
Este facto acaba por condicionar qualquer
abordagem sobre a caracterização da ocupação, durante o período romano, na periferia da extinta laguna, tornando - a, desta
forma, mais conjectural do que factual.
É neste âmbito que se considera pertinente
abordar, ainda que de uma forma conjectural mas sustentada, o Rossio da Pederneira e a possível ocupação durante a presença romana nesta zona.
Localizado a sudeste da localidade da Pederneira, Freguesia e Concelho da Nazaré,
é mencionado por vários investigadores
como tendo sido uma villae romana.
Manuel Vieira Natividade refere que, ordenando os lugares onde descobrimos vestígios romanos e os que nos foram indicados
por bibliograia estranha, veriicamos a sua
valiosa quantidade. E é assim que registamos: na Pederneira, mosaicos, moedas,
vasos de barro e de mármore. (4)
João Pedro Bernardes refere também sobre o local acima mencionado que, na verdade, se as villae, como S. Gião, já fora
do nosso território (5), ou do Rossio da
Pederneira (…), ambas nas margens da
antiga lagoa da Pederneira, estão implantadas em solos sem qualquer capacidade
agrícola, só poderão radicar as suas actividades económicas na exploração dos recursos marinhos. (5) A villa do Rossio da
Pederneira, pelo rico espólio que apresenta, poderá ter tido funções de villeggiatura.
Porém, pouco se sabe desta estação e
nem mesmo lográmos identiicar a sua exacta localização. (6)
A villa primitivamente estendia-se muito
para o sul, e a egreja de então dedicada a
Santo André, icava retirada do circuito das
actuaes habitações no local chamado modernamente Rocio. (7)
As dúvidas sobre a localização do Rossio
da Pederneira parecem dissipar-se à medida que vamos cruzando as fontes bibliográicas com as indicações orais e as visitas ao campo.
Sobre a localização do antigo Rossio da
Pederneira, Bernardes refere que o mesmo
ica num planalto e vertente virada a nascente formado por dunas e areias de dunas. (…) Solos arenosos, de fraca aptidão
agrícola, ocupados por casas e hortas. (8)
Nas várias visitas ao local pode veriicar-se
que o terreno possui uma suave inclinação
para nascente e uma zona com uma cota
mais constante a poente. Trata-se de um
terreno onde existe ou persiste uma actividade agrícola de pouca relevância para o
tecido económico da Pederneira, contudo,
proliferam os pequenos talhões onde em
família, e para a família, se pratica a agricultura.
Embora a descrição do espaço por parte de
João Pedro Bernardes se encontre de acordo com o existente no espaço físico hoje
conhecido por Rossio da Pederneira, deixa
de coincidir com o mesmo quando o autor
refere que as villae de Martim Gil e Nossa
Senhora das Necessidades (…) estariam
em relação directa com o Lis, ao passo que
as do Rossio da Pederneira, Mina e Póvoa
de Cós se situariam nas margens da antiga
lagoa da Pederneira. (9)
Não nos parece que o Rossio da Pederneira, durante a presença romana, alguma vez
tenha estado junto às margens da extinta
lagoa, uma vez que o mesmo se encontra
à cota 85 acima do nível médio do mar e a
mais de 2 kms a Norte da antiga entrada
na lagoa.
Defende-se, assim, a existência de um povoado junto à lagoa mas numa época mais
tardia que a romana.
Esta villa é uma das mais antigas da Extremadura, como nos airmam, sem receio
de contestação fundada, notáveis escriptores: d’entre estes o illustre antistite D.
Frei Fortunato de S. Boaventura, cujo espírito investigador e minucioso nos assegura com razões sobejas a sua antiguidade,
a ponto de não estar ainda averiguada a
data da sua fundação, com quanto alguns
auctores a remontem ao século IX. (10)
Para esta problemática, contribui também
a tentativa de localização do local do Ros-
pág.
37
sio da Pederneira a menção a uma igreja
dedicada a São Pedro da Pederneira que,
segundo os registos documentais, é uma
das que se gaba de ter mais remota antiguidade, pois airmam alguns antiquários
que já em 1195 ela tinha igreja paroquial e
já em 1224 funcionava, com beneiciados,
todos pertencentes, até 1834, ao padroado
do rico Mosteiro de Alcobaça. (11)
pinheiro, eucalipto e variado tipo de vegetação infestante.
Nesse sentido, defende-se a localização
do Rossio da Pederneira nesse local, pelas
razões evocadas anteriormente.
Os achados arqueológicos levam a supor
a existência de um local onde a presença
romana se poderá ter feito sentir, contudo
a aferição da sua real existência apenas
tual.
Também não é de descurar que esse mesmo local, Rossio da Pederneira, tenha sido
erigido, total ou parcialmente, sobre possíveis estruturas pré-existentes, neste caso
romanas ou mesmo anteriores uma vez
que o local, elevado, acaba por agregar
todas as premissas para o estabelecimen-
factores a investigar.
O Rossio da Pederneira, a conirmar-se a
sua ocupação romana, poderá ter concorrido com Parreitas, devido à altitude a que se
encontravam, para uma função estratégica
de defesa na entrada da laguna. A partir da
Pederneira se controlaria todo o movimento ao largo da costa e de Parreitas deveria controlar-se o movimento no interior da
lagoa assim como toda a área terrestre a
Norte, Nascente e Sul da sua implantação.
O facto é que este local contribuiu com uma
maior quantidade de achados arqueológicos do período romano do que São Gião.
ortofotomapa: Possível limite do local
conhecido como “rossio da Pederneira”.
Como sabemos, a laguna situava-se a sul
da Pederneira, na base sul da encosta do
mesmo nome. As únicas casas que encontrámos nesse percurso entre a várzea
e o local do Rossio da Pederneira foram
quatro pequenas casas em ruínas que, no
nosso entender, possuem uma localização
que deverá estar ligada à migração que a
população da Pederneira encetou após o
assoreamento da lagoa, séculos XIII a XVI.
Nesse mesmo percurso não se vislumbram
quaisquer terrenos com actividade agrícola, apenas sistemas dunares pejados de
Parreitas
Por: carlos Fidalgo
poderá/deverá acontecer no âmbito de alguma operação urbanística prevista para
aquela zona e com o, indispensável e previsto por lei, trabalho de arqueologia preventiva.
Apesar da suspeita da existência de uma
estação romana naquele local, cremos que
o topónimo “Rossio da Pederneira”, mais
recente, deverá ter aparecido após a ocupação daquele espaço numa fase de transição entre o primitivo aglomerado urbano
que deveria situar-se junto à lagoa e o ac-
pág.
38
(A) - zona onde, segundo palavras do agricultor,
foram encontrados muitos objectos de cerâmica
antiga, entretanto desaparecidos.
to de povoados em épocas anteriores ao
período romano.
Não caberá neste pequeno artigo fazer
qualquer tipo de conjectura, mas analisar
os factos que se nos deparam e sustentar
as nossas opiniões com factos concretos.
Os factos concretos são os achados arqueológicos provenientes do Rossio da Pederneira que se encontram depositados no
Museu Dr. Joaquim Manso.
O tempo que terá durado essa ocupação e
a sua cronologia nos tempos históricos são
Vista de Parreitas desde o rossio da Pederneira.
Por: carlos Fidalgo
Contudo, e apesar do que icou exposto, a ocupação romana na Pederneira
continuará vinculada a relatos e alguns
vestígios da época romana até se dar a
conhecer através de alguma estrutura que
se encontre no subsolo dos terrenos que
compõem, actualmente, o lugar do Rossio
da Pederneira.
pág.
39
muSeu dr. joAquIm mANSo
legenda do Artigo
Concelho: Nazaré.
Distrito: Leiria.
(1) - BARBOSA. (2008)
(2) - GARCIA. ALMEIDA. (1966:339 a 350)
(3) - FONTES. MACHADO. (2010)
(4) - NATIVIDADE. (1960:100)
(5) - O Rossio da Pederneira encontrava-se localizado no alto da Serra da Pederneira, junto à actual
localidade da Pederneira. A sua vertente piscatória, na época romana, não deveria ser muito activa,
permitindo-nos colocar em causa tal actividade, pela distância que existe do local, até à extinta lagoa
da Pederneira, considerando-se para o Rossio da Pederneira, a conirmar-se a existência de uma villae romana, um papel mais defensivo do que económico. Contudo, considera-se que a actividade agrícola deveria existir nos terrenos localizados a Nascente, Norte e Sul. A poente existiria, assim como
existe, a arriba que dá para a actual praia da Nazaré que permitia a visualização de toda a costa desde
o promontório da Nazaré até São Martinho do Porto, antiga entrada da lagoa de Alfeizerão.
(6) - BERNARDES. (2007:83)
(7) - COSTA (1943:1213).
(8) - BERNARDES. (2007:181)
(9) - BERNARDES. (2007:84)
(10) - COSTA. (1906:194)
(11) - COELHO (1924:09).
Categoria: Escultura.
Denominação: Máscara - aplique.
Dimensões: Altura: 7.00 cms;
4.00cms; Altura da face: 5.00cms.
Largura:
Época: Romano.
Datação: Não estudada.
Função/Uso: Máscara de adorno?
Proveniência: Rossio da Pederneira.
Descrição da peça: «Máscara de barro coado
bem cozido, feita à mão, representando uma
anciã. Esta máscara - aplique, é uma miniatura das máscaras de teatro trágico da Antiguidade. Servia como aplique porque tem no
topo posterior do cabelo um furo de suspender. Teria sido pintada de branco. Os olhos são
dois furos.» [1]
Estado de Conservação: Razoável.
Historial: Foi achado nas terras do Rossio
da Pederneira, em trabalhos de lavoura, em
1941, juntamente com vasilhame de cerâmica
que foi completamente destruído. [1]
Encontram-se actualmente na exposição permanente de Arqueologia no referido museu e
identiicada com o Nº25 da mesma exposição.
Fonte documental:
[1] - Ficha de inventário do Museu Dr. Joaquim
Manso, pp. 01 a 05.
* in FIDALGO, Carlos. (2010). O Povoamento
na área da lagoa da Pederneira (Da ocupação
Romana até ao século XII), Dissertação de
Mestrado em Estudos do Património, Lisboa,
Vol. II, p. 18.
pág.
40
Bibliograia
BARBOSA, Pedro Gomes, (2008) – «A estação arqueológica de Parreitas (Bárrio, Alcobaça)». A região
de Alcobaça na época Romana. A estação arqueológica de Parreitas (Bárrio), Alcobaça, pp. 14 a 19.
BERNARDES, João Pedro, (2007) – A Ocupação Romana na Região de Leiria, Faro, Centro de Estudos de Património, Departamento de história, Arqueologia e Património, Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da Universidade do Algarve.
COELHO, Laranjo, (1924) – A Pederneira. Apontamentos para a História dos seus mareantes, pescadores, calafates e das suas construções navais no séc. XV a XVII, Lisboa, Impressa Nacional de
Lisboa.
COSTA, Américo, (1943) – Diccionário Chorographico de Portugal Continental e Insular, Volume VIII,
Azurara, Vila do Conde, Typographia Privativa do Diccionário Chorográphico.
FIDALGO, Carlos. (2010). O Povoamento na área da lagoa da Pederneira (Da ocupação Romana até
ao século XII), Dissertação de Mestrado em Estudos do Património, Lisboa, Vol. II, p. 18.
FONTES, Luís Fernando de Oliveira, (2005) – PNTA/2000 – Estudo Arqueológico de São Gião da Nazaré, Trabalhos de Sondagem, 08/08/2005 a 12/08/2005, IPA, Processo: S-00179, Relatório Aprovado.
GARCIA, Eduíno Borges ALMEIDA, Fernando de, (1966) – «S. Gião: Descoberta e Estudo Arqueológico de um Templo Cristão -Visigótico na Região da Nazaré», Lisboa, Separata da revista Arqueologia
e História, 8ª Serie, Vol. XII, pp. 339 a 350.
NATIVIDADE, Manuel Vieira, (1960) – Mosteiro e Coutos de Alcobaça, Alcobaça, Tipograia Alcobacense, Lda.
pág.
41
Igreja de S. gião da Nazaré
tema de capa
por: Adriano monteiro, eng.º
A
Arcos de volta inteira suportados por colunas monoliticas
foto: miguel rosenstok
pág.
42
primeira descrição desta igreja
deve-se a Fr. Bernardo de Brito, que na
Parte Primeira da Monarquia Lusitana
escreve o seguinte: «E como no anno
de nouenta & quatro [1594] me mãdaffe
o Reuerendo Padre Frey Frãnisco de
fancta Clara, dom Abbade de Alcobaça,
& Géral da noffa ordem, ver as antiguidades, & letreiros que auia nefta capella,
de quatro que achey em modo de fe poderem ler, foy hum nas coftas da Igreija
em hũa pédra comprida, & bem laurada,
que como coufa defe ftimada jazia entre
hũns fyluados, & tirando ielmente as letras diante de algũa gente, que hia em
minha cõpanhia, vi q dezião deftemodo.
NEP.T SACR
H. SACEL. D.D. IVN. BRUT.
COS. OB. BEL. F. GESTVM. AD
VORS. EBVROBRIC. ET MONT.
AVXILIARES. SERVAT. Q. MIL.
Cuja igniicação he a feguinte. Dom confagrado a Neptuno. Efta capella dedicou
Decio Iunio Bruto fendo Couful, pella fellicidade com que acabou a guerra contra os moradores de Eburobricio, & os
montanhefes que lhe vierão em focorro,
& também por refpeito de lhe ferem goar-
pág.
43
dados fem perigo feus foldados neftes vltimos ins da terra.
BRITO. (1597:244v a 245)
O problema que se coloca é que Fr. Bernardo de Brito é algumas vezes acusado
de forjar documentos para asseverar as
suas airmações.
Neste caso das lápides de S. Gião qual
seria o seu interesse em dar a conhecer
porta desse castelo; estando Julião ausente, expuseram à mulher a sua aventura, que procuravam um homem assim e
assim, e esta, descobrindo que eram os
pais do marido, deu-lhes guarida e ofereceu-lhes a própria cama onde eles logo
adormeceram enquanto ela foi à igreja
rezar. Chegou Julião e vendo um homem
na sua cama e, supondo, com a sua
Fig. 1. Anforeta luso romana* e mosaico ulisses e as sereias. **
as lápides referidas tanto mais que se tratava de um Deus gentio?
Mas abordemos a igreja pelo próprio nome
São Gião/Julião.
Existem vários Santos e origens de S.
Gião. Observemos esta lenda de S. Julião,
ainda que o culto a São Julião e Victória
se considerem de origem Fenícia.
Julião era um jovem nobre que saiu para
caçar e perseguiu um veado que, quis
Deus, voltando-se para trás falou ao caçador: Porque é que me persegues desta
maneira? Matarás o teu pai e a tua mãe!.
Aterrorizado, fugiu de casa em segredo e
pôs-se a correr mundo até que um rei lhe
ofereceu um castelo e o casou com uma
viúva rica. Os pais puseram-se a procurar
o ilho e ao im de muitos anos bateram à
pág.
44
mulher, pegou na espada e matou os dois.
Regressada a mulher da igreja, informouo de que eram os seus próprios pais.
Desgostoso, abandonou tudo, partiu com
a mulher para longe e fez-se barqueiro e
hospedeiro, dedicando a sua vida a ajudar
pessoas a atravessar um rio e a albergálas. Não se diz a época que tem o local
onde isso se passou.
Será este o São Julião do Litoral português, por ter sido um fugitivo e vagabundo
desesperado (como o eram muitos embarcadiços) e que depois se converteu em
nadador-salvador? A igreja de São Julião
de Setúbal, construída sobre o que outrora
foi um pântano do Sado comporta vários
painéis de azulejos sobre um outro São
Julião. Foram encontradas em Setúbal
duas estátuas a Neptuno, uma das quais
de bronze1.
Mas quem foi e onde viveu São Julião?
Não será uma identidade inventada para
justiicar um culto religioso relacionado
com os naufrágios para converter uma
Divindade pagã? Até foi a vocação duma
versão do santo: «converter os sítios
pagãos em templos de Cristo». (Que me
lembre, é a única vez que se menciona
um santo edicado (indicado) exclusivamente para esta tarefa à qual Jesus Cristo
foi alheio).
Note-se que os dois primeiros Julião do
calendário católico, tidos como da costa
Sírio-Fenícia (que serão um único), se
comemoram em Fevereiro, com um intervalo de uma semana que coincidia com e
que era a época da reabertura da navegação (como o São Brás, da Nazaré).
Podemos dizer que, entre nós, onde havia
um culto romano a Neptuno passou haver um São Gião-Julião: na Nazaré com
uma inscrição-dedicatória a Neptuno, segundo Frei Agostinho e, em Setúbal, com
duas estátuas a Neptuno. Ora, Neptuno
instalou-se por sua vez onde existiam cultos anteriores de marinheiros, neste caso
fenícios ou púnicos. Os grandes senhores
do mar haviam sido os fenícios de Tiro,
Síon, Cesareia-Antioquia (na Síria-Fenícia) e, depois, Cartago.
Quanto aos nossos locais marítimos com
capelas dedicadas a São Gião-Julião,
notamos que o povo persiste em dizer
Gião, quando os eclesiásticos reverteram
para Julião.
A paróquia lisboeta (outrora sobre os
pântanos do Tejo) é oicialmente de São
Julião, mas no passado era dita de São
Gião.
Podíamos supor que Gião é uma abreviação popular de Julião. Mas também seria a primeira vez (salvo erro) que o povo
abrevia o nome dum santo tornando-o
muito diferente. O mais provável é que
Gião fosse o nome primitivo que os letrados, talvez a partir da pronúncia Xuião ou
Xulião, converteram em Julião, inventando
depois lendas piedosas em conformidade
com a ideia de viajantes fugitivos, azares
da vida e cultos marítimos, a condizer com
os ditos populares ou estruturas antigas
existentes nesses locais». SANTO (2004:
302 a 303)
Como constatamos o culto a Julião já vem
dos Fenícios e na costa portuguesa ou
nos rios navegáveis encontramos muito
este topónimo. Damos como exemplo: S.
Julião – Talabriga, junto a Aveiro, na ribeira de Vouga onde agora há hum lugarinho
que fe chama Cacia na parte onde estã a
igreja de fam Julião de que não ha mais
que efta memoria.2
São várias as referências a São Julião
no litoral português, a exemplo, em Torres Vedras existiu a igreja a S. Julião 3,
na Serra de S. Gião e Quinta de S. Gião
d’Entre as Vinhas4, na Atouguia da Baleia
no convento das freiras agostinhas, que
segundo a tradição, foi templo romano
dedicado a Neptuno.5
As divindades Julião e Vitórias andam associadas a portos da nossa costa.
Na nossa região temos Paredes da Vitória,
N. S. da Vitória – Famalicão, Vitória próximo da Póvoa de Cós.
Próximo de Évora de Alcobaça, foi encontrada a anforeta e que deveria servir para
iluminação dos barcos. 6
pág.
45
Além das questões anteriormente levantadas devemos relevar a hipotética existência duma tribuna referida por Schlunk sobre a porta de entrada, opinião com a qual
não concordamos.
Uma tribuna apoiada nos cachorros existentes rebaixava em 20 cm a verga da
porta já de si baixa, o que poderia inviabilizar a entrada na nave central.
Considerando que a iconóstase da igreja
de São Gião da Nazaré é posterior à igreja porque não admitir ser obra do Decio
Bruno Bruto conforme refere Bernardo de
Brito, como vimos no início deste artigo?
Fig. 2. deusa Vitória. (NAtIVIdAde:1960)
“parede que divide o cruzeiro da nave central da igreja, constituído por
uma porta e duas janelas com arcos ultrapassados, iconóstase.”
foto: miguel rosenstok
Num planalto do Carvalhal próximo de
Chiqueda, foi encontrado uma estatueta delicadíssima da Vitória, a tentadora
deusa da mitologia romana que a igura
representa.7
Todos os investigadores que até à data
estudaram S. Gião da Nazaré classiicam
esta igreja como sendo de origem visigótica. 8
Baseamos a nossa opinião nas peças de
arte que são nitidamente peças de recuperação. A própria parede não liga estruturalmente com a do corpo da igreja,
em particular com a nave central, assim
como a existência da torre que se eleva
ainda integralmente no cruzeiro que, na
nossa opinião, acaba por ser semelhante
à Placídia Gala em Ravena. 9
Figuras. 3, 4. reconstituição de igreja de São gião segundo Adriano monteiro
Terão sido levados a isso pela existência
da parede que divide o cruzeiro da nave
central da igreja, constituído por uma porta e duas janelas com arcos ultrapassados, iconóstase.7
Contudo, esta parede, quanto a nós, é
posterior à própria igreja.
pág.
46
Na torre ainda se podem observar a janela virada a Nascente, a verga da janela
do lado Norte, e o vão de uma terceira do
lado Poente. Apenas na parede do lado
Sul não se vêem vestígios mas a simetria da torre garante – nos ter havido mais
uma janela.
pág.
47
Bibliograia:
BRITO, Fr. Bernardo de. (1597). Monarchia Lvsytana, Parte Primeira, Impreffa no inigne mofteiro de Alcobaça por mandado do R.mo Padre Geral Frey Francisco de S.
clara com licença & priuilegio Real, pp. 244v a 245.
SANTO, Moisés do Espirito. (2004). Cinco mil anos de cultura a Oeste de Moisés do
Espírito Santo, , Assírio & Alvim, Lisboa.
Figura 5 - comparação com as igrejas de gala Placidia,
ravena, e São Frutuoso de montélios, Braga.
Figuras:
1 – * Anforeta Luso-Romana, In MOSTEIRO E COUTOS DE ALCOBAÇA Alguns capítulos extraídos
dos manuscritos inéditos do autor e publicados no centenário do seu nascimento, de Manuel Vieira
Natividade, Impresso na tip. Alcobacense, L.da Alcobaça, Estampa VIII, Alcobaça, 1960.
** Mosaico Ulisses e as sereias Época romana. Santa Vitória do Ameixial, Estremoz, Évora, In Portugal
a Formação de um País, Comissariado de Portugal para a Exposição Universal de Sevilha, Lisboa,
1992, p. 50.
2 – Vitória, encontrado no vale do Carvalhal, Aljubarrota, in Grutas de Alcobaça Material para o estudo
do homem, por Manuel Vieira Natividade, Imprensa Moderna Porto, p. 15 e Est. XXII, 228-229, Porto,
1901.
3, 4 e 5 – Mausoleo de Gala Placidia, in Ravena in Ravena Los mosaicos, los monumentso, medio ambiente, Guia Historico – Artistica. P. 14, Ed. Cartolibreria Salbaroli, Ravena, Itália. Igreja de S. Frutuoso,
Montélios, Braga, Colecção A. Monteiro
legenda
(1) – Segundo o Dicionário Geográico do Padre Luis Cardoso, citado por Marques, Luis, Religiosidade
Popular em Torno da Serra da Arrábida, tese de Doutoramneto, FCSH-UNI, 2001, em vias de publicação.
(2) – LEÃO, Duarte Nunez de. (1785). Descrição do Reino de Portugal, Lisboa, p. 28.
(3) – LEAL, Pinho.(1837). Diccionario de Portugal Antigo e Moderno, Torres Vedras, Lisboa, Livraria
Editora de Mattos Moreira & Companhia, p. 662.
(4) – In Boletim da Estremadura, n.os 61/62, p. 273, 1964.
(5) – LEAL, Pinho.(1837). Diccionario de Portugal Antigo e Moderno, Atouguia da Baleia, Lisboa,
Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, p. 254.
(6) – Conforme igura Nº1.
(7) – Conforme igura Nº2.
(8) – Entre outros, Eduíno Borges Garcia, Fernando Almeida e Schlunk.
(9) – Conforme iguras N(os) 3, 4 e 5.
pág.
48
A Iconóstase
foto: miguel rosenstok
pág.
49
pág.
Foto-reportagem
50
Igreja de S. gião da Nazaré
por: miguel rosenstok
pág.
51
pág.
52
pág.
53
pág.
54
pág.
55
o moSAIco de cóS
“os relatos de j.l.Vasconcelos”
por: raúl losada
descrição de josé leite de Vasconcelos na publicação “o Arqueólogo Português”
«No dia 24 de Abril de 1902 recebi o seguinte telegramma do Sr. Vieira Natividade, de Alcobaça:
« Venha já. Mosaico romano risco perderse. Urgente*. »
Do que li nesse oficio, e do que me contou o empregado do Museu que foi a Alcobaça, vim a saber que no campo de
Pedrógão, junto da aldeia da Póvoa, freguesia de Cós, concelho de Alcobaça, havia apparecido um mosaico romano digno
de conservação e estudo.
Depois de ter escrito ao Sr. Administrador
do concelho e ao Sr. Vieira Natividade,
agradecendo-lhes as suas communica-
foto de joaquim elias jorge
foto de joaquim elias jorge
E
m 1902, foram feitas descobertas arqueológicas relevantes, nomeadamente
uma Villa romana, no lugar do Pedrógão e
onde foi encontrado um mosaico datável
de inais do século II e inícios do século
III d.C..
pág.
56
Este mosaico foi encontrado por acaso
em Abril de 1902, a cerca de 80 cm de
profundidade, aquando da plantação de
uma vinha na propriedade de Joaquim
Neto Pires, em Póvoa, lugar de Pedrógão,
freguesia de Cós, concelho de Alcobaça.
Enviei a Alcobaça, na tarde d* esse mesmo dia, um empregado do Museu, para se
informar do que se passava, e tomar as
providencias que fosse possível tomar.
No dia 25 chegou-me um oficio do Sr. Administrador do concelho de Alcobaça, sobre o mesmo assunto.
çoes, e dizendo-lhes o mais que julguei
a propósito, parti eu próprio para Alcobaça em 29 de Abril, levando em minha
companhia o Sr. Júlio Garcia, conductor
de obras publicas em serviço no Museu
Ethnologico. No mesmo dia, de tarde, fui,
com os Srs. Natividade e Garcia, ao local
do apparecimento do mosaico.
pág.
57
A par deste mosaico presenciaram-se vestígios de materiais de construção romanos,
alicerces, fragmentos de ferro e restos de
um forno.
Descrevia assim J.L. de Vasconcelos o local do achado:
«É possivel que de uma excavação realizaAlem do seu valor geral como docu- da nas vizinhanças do mosaico, por occamento artístico, o mosaico tem, em par- sião da construcção do projectado edifício,
ticular, muito merecimento histórico e resulte o descobrimento de outras antiguiarcheologico, ji porque se relaciona com dades. Pelo campo se encontram agora,
outras antiguidades romanas, algumas á superfície do chão, restos de imbrices,
da mesma espécie, apparecidas por toda fragmentos de opus Signinum, etc. Os obaquella região (Alcobaça 8 , Porto de Mós jectos importantes, por ventura lá desco3 , Leiria 4 ), já porque são muito poucos bertos no futuro, poderiam icar reunidos
os mosaicos que, em troços grandes como dentro da casa, ao pé do mosaico.»
este, e de mais a mais com iguras, existem em Portugal.(…)»
O prior do Valado, srº Poças Júnior, passou esta informação a Manuel Vieira Natividade, que tentou adquirir este mosaico
paro o futuro Museu de Alcobaça.
Contudo, este acabou por ser comprado
pelo Drº José Leite de Vasconcelos para o
Museu Etnológico.
O mosaico foi levantado nos ins de Junho
de 1902, sob orientação de José Carvalhais, preparador do Museu Etnológico,
tendo sido transportado para esse mesmo
Museu apenas o painel central e alguns
fragmentos.
Actualmente faz parte do acervo do Museu
Nacional de Arqueologia em Lisboa.
pág.
58
Infelizmente nada mais icou conservado
da Villa Romana…
«Muito fora para desejar que num país,
como Portugal, onde tantos vestígios das
artes romanas se acham indubitavelmente
enterrados no chão, se olhasse com igual
desvelo para os restos da antiguidade, e
se izessem as necessárias diligencias
para se estudar a sua historia, e segurar
a sua boa conservação; mas infelizmente,
por effeito da ignorância provinciana, taes
relíquias, quando por acaso se tem encontrado, hão sido descuidosamente destruídas, para se satisfazer a algum im immediato».
Em: «O mosaico romano de Alcobaça», in O Arqueólogo
Português, volume VII. Lisboa: Imprensa Nacional, 1902,
pág. 146 – 149
parcerias Portugalromano.com
Associação dos Arqueólogos Portugueses
www.arqueologos.pt/p_aap.html
Parcerias
Este occupa uma área de uns 100 metros
quadrados, e acha-se a uns 0,80 abaixo
do solo actual. Não está ainda todo descoberto. O mosaico é polychromico : tem
ao centro, inclusa num circulo, como em
um medalhão, uma cabeça humana ou divina, com coroa radiada, e em volta muitas
iguras, como animaes, um vaso de lores,
etc., e também desenhos geométricos 4 .
turismo do Alentejo - e.r.t.
www.visitalentejo.pt
liga dos Amigos do Sítio Arqueológico de miróbriga
www.ligadeamigosmirobriga.blogspot.com
Associação de Amigos de tongobriga
www.amigosdetongobriga.blogspot.com
museu dr. joaquim manso
www.mdjm-nazare.blogspot.com/
museu Arqueológico de S. miguel de odrinhas
www.museuarqueologicodeodrinhas.pt
pág.
59
o AcAmPAmeNto romANo de Alto
doS cAcoS - AlmeIrIm.
por: joão Pimenta
um livro
A
estação arqueológica do Alto do
Cacos (Almeirim) implanta-se sobre uma
área arenosa que constitui um extenso terraço plistocénico sobre a margem esquerda do paul de Vale de Peixes, com uma
altitude média de 14m.
Enquadra-se administrativamente na
Freguesia e concelho de Almeirim, situando-se a cerca de 1,5 km a Este do centro
histórico da Cidade.
Implantado nas imediações da Vala de
Alpiarça e do Rio Tejo, as características
topográicas do sítio favorecem a implantação humana, possuindo uma plataforma
relativamente plana de orientação NE-SE,
dispondo de excelente visibilidade e apresentando apesar da sua escassa altura
uma posição francamente dominadora
sobre a zona envolvente, constituída por
baixas aluvionares alagadiças.
A sua localização permite um contacto
visual directo com espaços de ocupação
romana e pré-romana da região: mesmo
em frente do outro lado do Rio Tejo situase em posição de sobranceria a cidade de
Santarém antiga urbe de Scallabis, alguns
quilómetros mais à direita mas em perfeito
contacto visual ergue-se o povoado fortiicado dos Chões de Alpompé, na mesma
margem a cerca de 2 km situa-se o antigo
povoado do Cabeço da Bruxa e a 3 km o
oppidum do Alto do Castelo – Alpiarça.
A descoberta do sítio ocorreu no início dos
anos oitenta do século XX, no decorrer
da realização de profundos trabalhos de
ta e dos recentes trabalhos de prospecção,
levam a destacar a relevância que o sítio
apresenta em época romana republicana.
É a esta fase que se reporta a maior
parte dos materiais, recolhidos durante as
destruições de 1981, elevando-se estes a
várias centenas de artefactos dos mais diversos tipos.
Os estudos em curso, em torno da colecção
de metais, do conjunto numismático, dos
artefactos líticos e das cerâmicas importadas, nomeadamente: a cerâmica campaniense; lucernas; paredes inas e ânforas
Fotograia aérea da zona do acampamento romano do Alto dos
cacos - google earth.
Fotograia do Alto dos Cacos com a Alcáçova de Santarém ao
fundo.
modelação do terreno para a preparação
para actividades agrícolas.
Apesar de diversas diligências, então efectuadas, o sítio não foi alvo de quaisquer trabalhos arqueológicos caindo praticamente
no esquecimento até aos dias de hoje.
O projecto de investigação em torno desta
estação decorre do estudo do numeroso
espólio então recolhido e que se encontra à guarda da Associação de Defesa do
Património Histórico e Cultural do Concelho
de Almeirim.
capa e contracapa do livro.
pág.
60
Os dados aferidos, a partir do estudo dos
materiais recolhidos no início dos anos oiten-
levam-nos a sublinhar a homogeneidade
do espólio. Apesar de estes carecerem de
quaisquer coordenadas estratigráicas, o
conjunto é bastante coerente, reportandose a uma fase de ocupação centrada no
século I a.C.
É nesta fase que o antigo povoado pré-romano de Alto dos Cacos sofre uma brusca
e profunda transformação, sendo desmantelado, e sobre ele instalado um acampamento romano de traçado regular que em
muito excede a dimensão do antigo oppidum indígena.
Esta interpretação algo temerária assenta em três traves mestres, que julgamos
pág.
61
mento militar, correlacionado com os conlitos entre os partidários de César e Pompeio
na Ulterior.
O livro “O Acampamento Romano do Alto
dos Cacos Almeirim” pretende divulgar
esta invulgar estação arqueológica que julgamos um caso impar para o estudo da romanização do Vale do Tejo.
A publicação do Livro teve o apoio da Asso-
uma peça, um museu
A dAmA romANA
museu dr. joaquim manso
uma peça, um museu
sólidas. Primeiro nos dados arqueológicos,
que permitem veriicar a existência de uma
impressionante ocupação de época tardorepublicana. Segundo nos artefactos bélicos, presentes nas colecções depositadas
na A.D.P.H.C.C.A. que atestam uma coesa
e maciça presença de cariz militar em Alto
dos Cacos. Por último os dados da fotograia aérea, que permitem vislumbrar, em
A
peça que selecionamos para
esta revista, trata-se de uma estatueta, representando um busto de
dama romana.
Segundo a Ficha de Inventário, a
peça (Número de Inventário MEAJM 4 Our.), que hoje faz parte do
acervo da Instituição, foi encontrada
no Bico do Frei António, Valado dos
Frandes, Nazaré, tendo sido adquirida a um particular, Tito Lívio Calixto,
em 1945, e foi incorporada no Museu Dr. Joaquim Manso, onde se encontra em exposição, em 1980.
Apresentação pública do livro.
foto: guilherme cardoso.
consonância com o que se vê no terreno, a
existência de uma antiga estrutura subrectangular regular de cantos arredondados,
rodeada de fossos e possivelmente com
muralhas de talude em terra.
Ainda que a informação disponível, careça
de conirmação estratigráica, julgamos
defensável avançar-se com a proposta de
estarmos perante uma ocupação de índole
militar bem datada de inícios da segunda
metade do século I a.C. (50 a 40 a.C.). Poderemos assim, estar perante um acampa-
pág.
62
ciação de Defesa do Património Histórico e
Cultural do Concelho de Almeirim e do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de
Almeirim.
Para aquisição do Livro, os pedidos deverão
ser endereçados à direcção da Associação
de D. do P. Histórico e C. do C. de Almeirim,
Apartado n.º 29, 2081-901 Almeirim. Ou
então para o email – euricohenriques@
gmail.com. Sendo o valor unitário de 10€,
acrescido de dois euros para despesas de
envio pelo correio.
Trata-se de uma estatueta de pequenas dimensões: Altura: 6.20 cm;
Largura: 3.00 cm; Espessura: 2.00
cms., atribuída ao Período Tardo
Romano.
Representa, pois, e seguindo a
descrição do Museu um «Busto de
dama romana, tardio, em prata, com
túnica apanhada nos ombros e colar
de contas à volta do pescoço; cabelo
apanhado em “bando”; brincos de
arrecada em argola; feições gastas,
mostrando rosto sereno; olhos bem
marcados; queixo redondo».
A dAmA romANA - museu dr. joaquim manso
foto: miguel rosenstok
pág.
63
oS SegredoS SuBAquÁtIcoS de cAllIPuS
texto e fotos por: Sónia Bombico
rio Sado visto da margem esquerda (tróia).
N
“
aquela manhã Lucius havia já percorrido toda a zona industrial de Caetobriga
(Setúbal). Tinha acertado negócio com o
proprietário da unidade de produção de
preparados de peixe, depois de ter conirmado a chegada da encomenda de ânforas para o envase do garum. Decorriam os
Idus de Quintilis do ano 43 d.C., há muito
que o Mare Clausum havia terminado. O
navio que esperava, vindo da Bética, tardava. Contemplando o imenso Callipus
(rio Sado), Lucius pensava para consigo
se o navio havia já alcançado a baía de
Sinus (Sines).”
O parágrafo anterior poderia pertencer a
pág.
64
um romance histórico, cuja acção se desenrolasse na época romana. A História e
a Arqueologia dizem-nos que a realidade
não terá sido muito diferente da icção relatada.
O estuário do Sado conheceu uma forma
antiga mais vasta, com um leito mais extenso, cuja navegabilidade permitiu amplas actividades náuticas durante toda a
Antiguidade. Para montante, o Sado era
navegável até ao interior do Alentejo, até
Porto de Rei. Alcácer do Sal (Salacia) terá
detido funções de terminus portuário luvial, com navegação directa até ao litoral.
Por seu turno, Caetobriga (Setúbal) terá
assumido o papel de terminus oceânico,
conjuntamente com Tróia. Caetobriga era
o ponto de escoamento das produções
do complexo portuário formado por todos
os pequenos portos e embarcadouros
do Sado. (BLOT, M. L, 2003) O conceito
de complexo portuário, aplicável à costa
portuguesa em época romana, foi pela
primeira vez defendido por Vasco Mantas e posteriormente, explorado nas publicações de Maria Luísa Blot. Segundo
estes autores, o papel dos pequenos por-
Vestígios do complexo industrial
produtor de preparados de peixe de tróia.
tos, sobretudo os que faziam parte de um
mesmo acidente geográico amplo, como
um estuário ou uma ria, era desdobrado
pelo facto de funcionarem enquanto parte
integrante de um complexo portuário. No
caso do estuário do Sado, estes pequenos portos funcionavam em regime de
complementaridade e interdependência,
proporcionando o encaminhamento da
produção local para os portos escoadores
de maior amplitude de Caetobriga e Salacia, cidades com funções exportadoras.
É, talvez altura, de ilustrar este funcionamento recorrendo à nossa icção romanceada.
“Cinco dias depois, aportou inalmente no
porto de Caetobriga o navio aguardado
por Lucius. Vinha carregado com tecidos
de Roma, azeite da Bética e vinho itálico,
envasados em ânforas. Lucius não teve
diiculdade em redistribuir a mercadoria,
a sua rede de intermediários era vasta
e havia consumidores muito abastados
na cidade. O navio deveria regressar a
Gades o mais rapidamente possível. Lucius sabia que nos negócios tempo era
dinheiro e, assim, apresou o embarque
das ânforas piscícolas sadinas. Algumas
horas depois, acostou ao navio uma barca
vinda de Tróia que trazia duas centenas
de ânforas, estava completa a carga destinada à exportação.”
Em ambas as margens do Sado estão
documentados vestígios da ocupação romana, maioritariamente relacionados com
as actividades marítimas e de exploração
dos recursos marinhos. Pequenos portos,
situados em áreas periféricas nas margens do curso interior do Sado, serviam
as unidades produtoras de manufacturas
para exportação, principalmente os produtos piscícolas de que são testemunho as
cetariae, tanques para a salga de peixe.
cetariae do creiro - Portinho da Arrábida.
pág.
65
Era, igualmente e maioritariamente, nas
zonas periféricas que se situavam as
olarias produtoras do vasilhame destinado ao envase dos preparados de peixe, as
ânforas. Contentores por excelência para
o transporte marítimo, as ânforas transportavam vinho, azeite e todo o género
de salgas e preparados de peixe, de entre
os quais o famoso garum, tão apreciado
entre os romanos. Foram identiicadas
olarias produtoras de ânforas na área da
desembocadura do Sado (Zambujalinho,
Comenda e Quinta da Alegria), bem como
no subsolo da cidade de Setúbal, no Largo da Misericórdia. No entanto, os fornos
romanos estão igualmente presentes no
baixo curso do Sado, na zona de Alcácer
do Sal, onde se conhecem os formos do
Pinheiro, Abul, Vale de Cepa, Barrosinha,
Monte da Enchurrasqueira e Bugio. O estudo dos centros oleiros da Lusitânia tem
apontado a produção sadina como a mais
antiga no território nacional, situando o
início da laboração de alguns fornos para
os princípios do século I d.C., à semelhança das produções dos fornos de Peniche.
(FABIÃO, C. 2004) Conhecem-se tanques
de salga de peixe nos sítios do Creiro,
Rasca e Comenda, junto às praias da Arrábida. Foram, também, identiicadas e
escavadas cetariae em Tróia e no subsolo
da cidade de Setúbal, na Travessa de Frei
Gaspar (edifício do posto de turismo de
Setúbal).
A generalidade destes centros produtores regista, à semelhança do que acontece nas restantes regiões produtoras
da Lusitânia (Estuário do Tejo, Algarve,
Costa Alentejana e Peniche), duas fases distintas de produção. A primeira espág.
66
tende-se dos inícios do século I d.C. aos
inais do século II d.C. A segunda iniciase em inais do século II e inícios do III,
época em que se veriica uma verdadeira
representação de ânfora com ilustração de envase de peixe
salgado. (musée d’ histoire de marseille)
“revolução” nas formas anfóricas produzidas e uma expansão dos centros produtores de conservas.
Os produtos produzidos, provenientes dos
vários enclaves portuários identiicados,
circulavam no amplo estuário do Sado, no
qual apenas a cidade de Setúbal manteve
funções portuárias até aos nossos dias.
Da fase romana de Setúbal conhecem-se
vestígios que nos permitem reconhecer
uma ocupação contínua desde o século
II a.C. ao V. Estes vestígios indicam-nos
que a malha urbana se apresentava dividida por áreas de especialização funcional. A habitacional, a comercial e a
industrial, onde se situavam as olarias e
as cetariae. (SILVA, C. T., 1990) As escavações arqueológicas, no centro urbano de
Setúbal, revelaram a presença de materiais cerâmicos de importação, de entre os
quais terra sigillata (cerâmica ina) e ânforas vinárias itálicas e oleárias do Norte de
África. (COELHO-SOARES, A. e SILVA,
C. T., 1978)
Vestígios idênticos foram recuperados das
escavações do núcleo urbano de Alcácer
do Sal, correspondentes à vivência da antiga Salacia Urbs Imperatoria, referida por
Plínio no século I d.C. Ânforas importadas
da Bética e peças de terra sigillata itálica
e hispânica, provenientes da zona contígua ao castelo e da parte baixa da vila,
pressupõem uma ocupação que não se
restringe à zona elevada, mas também à
margem luvial. A vocação portuária desta
cidade parece relacionar-se não só com a
exportação dos produtos piscícolas regionais, mas também com a sua vocação enquanto porto de escoamento dos produtos
agrícolas provenientes das explorações
alentejanas romanizadas. Tróia, um dos
mais importantes centros fabris conserveiros de salga de peixe do Império Romano
Ocidental, cujas ruínas se estendem por
cerca de 2kms ao longo das margens do
Sado, terá correspondido ao pólo produtor
mais importante de todo o complexo portuário. Apresentados os principais centros
produtores e portuários, podemos concluir
que os materiais identiicados nos contextos arqueológicos permitem integrar
o complexo portuário do Sado nas redes
comerciais imperiais, que coligavam o
Atlântico ao Mar Mediterrâneo.
Mas a verdadeira chave do conhecimento
histórico parece manter-se oculta no fundo do estuário. Os vestígios arqueológicos
subaquáticos apresentam-se como fontes
essenciais para o estudo da actividade
económica na Antiguidade. Ganha especial relevo o naufrágio pelo seu valor enquanto acontecimento pontual que encerra
em si um espectro cronológico muito restrito. Isto signiica que os materiais associados à perda do navio, nomeadamente a
sua carga comercial, correspondem a um
período relativamente curto, que se situa
entre o carregamento da embarcação e a
perda da mesma. Um naufrágio é, assim,
uma fonte directa para o estudo da economia romana. Mas a maioria dos vestígios
romanos inventariados nas águas do estuário do Sado não constituem naufrágios
comprovados. Veremos que, ainda assim,
detêm uma importância substancial para
o conhecimento histórico da presença romana na província da Lusitânia.
Desde a década de 70 do século XX que
se vêem registando materiais cerâmicos
ao largo do complexo industrial de Tróia.
pág.
67
O sítio conhecido como “fundão de Tróia”,
a uma profundidade na ordem dos 20 a
25m, é talvez o mais emblemático da presença de vestígios arqueológicos subaquáticos no estuário. As características
dos materiais recuperados, de entre os
quais fragmentos de terra sigillata e material anfórico, sugerem um local de rejeição
de vasilhame. A maioria dos materiais aí
recuperados encontram-se depositados
no Museu do Mar de Cascais e foram
objecto de publicação por Guilherme
Cardoso, em 1978. Outras peças foram
recolhidas, a partir de 1973, por mergulhadores amadores do Centro Português
de Actividades Subaquáticas com o apoio
do então Museu Nacional de Arqueologia
e Etnologia. De entre esse material registam-se ânforas de várias proveniências e
datáveis desde o século I a.C. ao IV d.C.
São fragmentos de ânforas de vinho itálicas, gálicas e béticas, ânforas de azeite
e salgas de peixe importadas da Bética e
do Norte de África, e ânforas piscícolas de
produção local. A diversiicação tipológica das ânforas e a seu amplo espectro
cronológico é perfeitamente relacionável
com o período de ocupação e laboração
do povoado industrial de Tróia, que se estendeu até ao século V.
É frequente a existência de materiais
cerâmicos com ampla cronologia nos locais de fundeadouro. É fácil imaginar a
perda de alguns elementos da carga durante as actividades de transbordo entre
embarcações. Para além disso são igualmente lançadas borda fora algumas ânforas vazias, após o consumo do seu conteúdo pelos tripulantes da embarcação,
ancorada no porto. Os fundeadouros e
pág.
68
ancoradouros são efectivamente os locais
com maior registo de vestígios arqueológicos subaquáticos, que não se resumem
aos materiais anfóricos mas que incluem
em alguns casos elementos de âncoras.
Ao largo do Cabo Espichel, acidente geográico que marca a entrado no estuário
mosaico do Fórum das corporações de ostia Antiga,
representando o transbordo directo das mercadorias de um
navio para uma caudicaria (barca).
do Sado, surge-nos um grande fundeadouro de época antiga. Foram inventariados, nos fundos da zona contígua à costa
de Sesimbra, cerca de 40 exemplares de
cepos de âncora em chumbo típicos da
época romana. Alguns dos quais foram recuperados, encontrando-se depositados
nos acervos do Museu do Mar de Cascais
e Sesimbra.
Um outro sítio subaquático, local conhecido por Caldeira, na foz do Sado, forneceu
materiais anfóricos importados idênticos aos registados no “fundão de Tróia”.
A sua cronologia abarca o período compreendido entre o século I e o século III,
o que corresponde a uma boa parte do
período de plena laboração do complexo
industrial de Tróia. O interior do curso
luvial, junto à área sob dependência da
cidade de Salacia, assinala igualmente
achados subaquáticos isolados de ânforas que se relacionam com os contextos
produtivos dos centros oleiros do Sado
interior. Junto às imediações das olarias,
localizadas nas margens do rio, têm vindo
a ser identiicados desde os anos 80 do
século XX inúmeros exemplares de ânforas de produção local das duas fases de
produção.
Os dados da arqueologia subaquática e
as escavações nos complexos industriais, localizados nas margens do Sado,
ainda que incipientes, principalmente no
que concerne aos vestígios subaquáticos,
têm-se revelado de extrema importância para o estudo da navegação atlântica
romana. Os dados recolhidos permitem
inferir um funcionamento do complexo
portuário sadino em tudo similar ao registado e apontado para as restantes regiões
do litoral atlântico nacional, de entre as
quais o estuário do Tejo é o exemplo mais
signiicativo. A instalação e exploração
económica das zonas litorais do território
português parecem corresponder à “política atlântica” de Roma, iniciada por Augusto. O reconhecimento das potencialidades
económicas oferecidas pela zona Atlântica é complementado com uma estratégica de apropriação e controle dos territórios metalíferos do norte. (FABIÃO, C.,
2005 e MANTAS, V., 2002-2003) É neste
âmbito que deveremos entender o desenvolvimento da produção de preparados
piscícolas na faixa atlântica Lusitana, beneiciária das rotas de retorno em direcção
ao Mediterrâneo, para além do qual existia um outro Mare Nostrum.
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Setúbal na História, Setúbal, LASA, p.107122.
pág.
69
“ludI cereAleS” - os ovos da pascoa
por: Filomena Barata
efeméride
C
eres, o nome romano da deusa grega
Demeter, era a deusa “Mãe-Terra”, protetora da Fertilidade, da agricultura, das
sementes, dos cereais, dos grãos e seus
derivados, a exemplo do pão. Era ilha
de Saturno e de Cibele, amante e irmã
de Júpiter, irmã ainda Juno, Vesta, Neptuno e de Plutão, mãe de Proserpina. O
seu próprio nome, cuja etimologia se liga
ao verbo crescere, indicia os atributos da
divindade.
Era uma divindade muito cultuada em
Roma que lhe dedicava, desde o século
III a.C., um festival chamado Cerealia,
ou Ludi Cerialis, sendo tão querida entre
Romanos que, na Antiga Roma, nesta
época do ano, lhe ofereciam, para além
dos festivais referidos, ovos e se dizia,
quando se queria referir algo de esplêndido, «apropriado a Ceres».
Esta deusa era representada com um
cetro, um cesto de lores e frutos e tinha
uma coroa com espigas de trigo, sendo
celebrada por mulheres em rituais secretos, que são pouco conhecidos.
Os ovos oferecidos a Ceres representam do ponto de vista simbólico, a vida, o
germe, o renascimento, a renovação e a
criação, motivo pelo que, desde Épocas
remotas, com eles se presenteavam as
pessoas.
pág.
70
estátua da deusa ceres
Há informações que nos fazem concluir
que a festa de passagem do Inverno
para a Primavera era comemorada entre
povos europeus desde épocas mesmo
muito remotas, designadamente na região
do Mediterrâneo, a exemplo da Antiga
Grécia.
Alguns historiadores sugerem também
que muitos dos símbolos ligados à Páscoa, designadamente os ovos coloridos e
de chocolate, bem como o coelhinho, são
reminiscências da Festa da Primavera em
honra de Eostre, a deusa da fertilidade,
do Renascimento, da Ressurreição, da
Luz crescente da Primavera, na mitologia anglo-saxã, cujo nome parece signiicar “Deusa da Aurora”, festividades essas
que foram assimiladas a Pessach.
Pessach, (do hebraico, ou seja, passagem) também conhecida como Páscoa
Judaica, associa-se, segundo o Êxodo, à
libertação do povo de Israel do Egipto.
De acordo com a tradição do Tora, a
primeira celebração de Pessach ocorreu
há 3500 anos, quando Deus enviou as
Dez Pragas do Egipto. Antes da décima
praga, o Profeta Moisés foi instruído de
forma a pedir que cada família hebraica sacriicasse um cordeiro e molhasse
os umbrais (mezuzót) das portas com o
sangue do cordeiro, para que os seus
ilhos não fossem tolhidos pela morte.
Efectivamente, os Hebreus comeram a
carne do cordeiro acompanhada de pão
de ázimo e, à meia-noite, todos os primogénitos egípcios foram dizimados.
Mas regressando à Páscoa de origem
germânica, referimos ainda que, em
Alemão, ainda hoje se designa a Páscoa
por “Ostern” e em Inglês “Easter”.
Por essas iliações, há quem relacione a
divindade Eostre com a Deusa grega Eos,
também ela deusa do amanhecer e ainda com a fenícia Astarte ou a babilónica
Ishtar, pelas similitudes no que respeita
aos rituais da fertilidade e às festividades
do Equinócio da Primavera, sendo comum
a Persas, Romanos, Judeus e Arménios o
hábito de tocar presentes de ovos coloridos.
O Cristianismo acabou por absorver esta
tradição através da Páscoa e, também por
isso mesmo, o ovo aparece aqui ligado à
ideia de renovação periódica da natureza.
Remete assim ao mesmo mito da criação
cíclica, mantendo-se a crença de que
comer ovos no Domingo de Páscoa traz
saúde e sorte durante todo o resto do ano,
funcionando como algo de apotropaico
contra as enfermidades.
Ainda na mitologia Grega aceitava-se que
era através da partição desse ovo cósmico que se criou ou se diferenciou a noite
e o dia, o céu e a terra (Urano e Geia), o
macho e a fêmea. Por sua vez, da união
de Urano e Geia nasceram os Titãs.
Platão na sua obra «Banquete» relembra o mito do Andrógino, airmando que
o Homem original tinha a forma esférica,
integrando os dois corpos e os dois sexos.
São estas as suas palavras: «... naquele
tempo, o andrógino era um género distinto
e que, tanto pela forma como pelo nome,
continha os outros dois, ao mesmo tempo
macho e fêmea».
Não é, portanto, despiciendo que, por isso
mesmo, o mito do Andrógino, ou signo de
totalidade inicial, muitas vezes concebido
como ovo cósmico, represente a plenitude
da unidade fundamental e primordial onde
se confundem os opostos, círculo que
contém o princípio e o im.
Essa mitologia é comum a muitas Civilizações e Culturas, como a egípcia, a
fenícia, a grega, a indiana, a chinesa, a
indonésia ou mexicana.
pág.
71
Se os ovos, que representam a fecundidade ou a força genésica primordial, portanto, a própria ideia da vida, da eternidade ou da ressurreição, acabam por
pertencer, pelos mesmos motivos, no Universo Romano, a um dos mais motivos
decorativos mais representados, quer de
bens de utilidade doméstica quer em elementos decorativos da Arquitectura — os
óvulos — ou mesmo em pinturas domésticas, como é o caso dos larários de Pompeios ou de Delos.
Apenas a título de exemplo, entre tantos
e tantos outros casos, referimos, em terripág.
72
tório nacional, os mosaicos de Milreu com
faixas de óvulos representados; o friso
decorado com óvulos e lancetas, pertencente a uma primeira fase de construção
do teatro de Lisboa; o capitel jónico datável do século III-IV, proveniente das Termae
Cassiorum de Olisipo, publicado por Lígia
Fernandes, o capitel da Villa de Frielas, o
monumental capitel que pertence ao acervo do Museu de Beja e que é atribuído
a um eventual templo de Pax Iulia, já para
não referir os casos conhecidos de utensílios de uso doméstico, a exemplo das
lucernas com esse tema.
capitel de Pax Iulia
Museu regional de Beja
foto: Raúl Losada
Fotograia de fresco com representação de ovos, Pompeia (Itália).
pág.
73
o deSeNho e A IluStrAção NA ArqueologIA
texto e imagens por: césar Figueiredo
destaque
Descodiicação de Desenho e
Ilustração Arqueológica
D
esde sempre que a prática do desenho fez parte da essência humana.
É comum pensar-se no desenho como
algo inteligível, de forma acabada e em
suporte próprio. Não é de todo comum
julgar o desenho como forma de pensamento e de produção de conhecimento. “A prática do desenho está intimamente ligada ao desenvolvimento do
conceito de Ideia,” (MARQUES, 2006,
p.62), de um conceito, de uma “visão
mental”, de um desejo que se torna na
necessidade inata de transformar um
pensamento em algo visível, “palpável”
e visual.
“Através do desenho é possível observar melhor, entender, registar e comunicar factos e conceitos da ciência”
(SALGADO, 2008/2009, p.78). O desenho arqueológico, bem como em outras
áreas da ilustração cientíica, continua
a ser preferido em relação à fotograia
pág.
74
pág.
75
pág.
76
pág.
77
no desenho arqueológico não se podem
representar espécies, não será possível
dividir em categorias “modelo” cada género de artefacto.
*
porque, na maioria dos casos, permite um
registo visual superior e capaz de se adequar à necessidades de representação.
A prática do desenho de materiais arqueológicos, tal como em outras áreas do
desenho cientíico, obedece a inúmeros
critérios práticos e de ordem morfológica.
Dentro do desenho cientíico existem, de
facto, muitíssimas variantes. No entanto,
o desenho de materiais arqueológicos distancia-se da maior parte delas, pelo facto
de não representar tipos nem géneros.
O desenho na arqueologia é descritivo,
evidenciando as formas e os traços marcados pela acção humana. Ao contrário
das ciências naturais que pretendem reppág.
78
resentar tipos através das características
mais comuns de cada espécie, na arqueologia não existem dois artefactos iguais.
Torna-se, por isso, impossível “caricaturar”
qualquer ruína ou qualquer elemento de
espólio. A este propósito, Luís Fortunato
Lima refere sobre o desenho na biologia
o seguinte: “Por exemplo: na Zoologia, os
desenhos de animais representam apenas as espécies: signiica, como na representação de um peixe, apenas igurarem
as características particulares da sua espécie, excluindo para isso todos os traços
desviantes do indivíduo particular, transformando-o em indivíduo emblemático”
(LIMA, 2008/2009, p.90). Por isso mesmo,
O desenho e a ilustração arqueológica
são vistas muitas vezes como áreas de
apoio para o estudo ou suporte de transmissão de informação para a arqueologia. Na verdade, existem diferenças
bastante signiicativas entre o conceito
de desenho arqueológico e ilustração
arqueológica. Ambas são desenho
cientíico mas enquanto que o desenho se reporta à representação técnica
de materiais arqueológicos, tais como
cerâmicas, líticos, vidros, metais entre
outros, a ilustração pode conter a representação de materiais mas privilegia
a visualização destes materiais no seu
contexto em que foram usados. Deste
modo, a ilustração passa a ser um campo de acção muito mais alargado que
contempla não só a representação de
materiais como se expande à visualização do meio destes objectos na antiguidade. Reiro-me mais concretamente
à recriação dos ambientes históricos e
arqueológicos como forma de possibilitar um entendimento acerca de uma determinada civilização histórica. Digamos
que a ilustração arqueológica privilegia a
representação da interacção entre pessoas, materiais, animais, meio geográico, etnograia, paisagem e arquitectura
na sua vivência activa do passado.
pág.
79
o moSAIco romANo
por: maria de jesus durAN Kremer,
Instituto de história de Arte - FcSh/uNl
Introdução
O
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2005.
mosaico romano é, sem dúvida, uma
das expressões artísticas que melhor sobreviveram à passagem do tempo e à
acção do Homem. Hoje, a mais de vinte
séculos de distância, os diferentes mosaicos encontrados um pouco por toda a
parte constituem uma preciosa fonte de
informação sobre o quotidiano, os usos e
costumes, a evolução económico-social
das diferentes sociedades que constituiam
o Império Romano. De Leste a Oeste do
Mediterrâneo, do Norte de África aos conins da Bretanha, das colunas de Hércules
ao Finisterra, os mosaicos testemunham
da presença romana intimamente ligada
à terra em que se ixara, e onde deixou
a sua marca indelével, de geração para
geração.
O mosaico, porém, não é uma “invenção”
romana. Para alguns investigadores, o
mosaico teria mesmo a sua origem não
no revestimento e decoração de pavimentos da Grécia antiga mas sim, à partida,
no revestimento e reforço de paredes e
colunas na Mesopotâmia. Ainda que,
neste caso, seja difícil falar de “mosaico”
no sentido actual do termo, chegaram
até nós exemplos datados de 4000 a.C. e
que testemunham da utilização de “pregos” de barro, de cerca de 6 a 15 cm de
comprimento, cujas cabeças haviam sido
pintadas de vermelho, branco ou preto, de
pág.
81
Fig. 5-casa del Fauno, Pompeia.
Fig. 1 - templo de uruk (Iraque).
forma a formarem motivos decorativos
(Fig. 1). Espetados numa massa argilosa
ainda fresca, não só decoravam as colunas com diferentes motivos geométricos
como reforçavam ao mesmo tempo as
próprias fachadas. Com o decorrer dos
anos, esta técnica evoluiu: os motivos geométricos deram lugar a representações
muito simples de pessoas, animais e plantas, introduzindo pela primeira vez materiais mais preciosos como o ónyx e o lápis
lazuli, usados juntamente com terracota
e conchas.
Numa fase seguinte, a técnica da utilização de pequenas bolas de cerâmica ou
de chapinhas de calcário, madre-pérola e
grés permitiu avançar para outro tipo de
Fig. 2 - Pequeno “mosaico” de ur (Iraque).
decoração, mais cuidado, espelhando cenas do dia-a-dia, e usado sobretudo em
pequenos objectos de luxo de uso pessoal, provavelmente reservados à classe
nobre (Fig.2). Através dos séculos, este
tipo de decoração espalha-se um pouco
por todo o Mediterrâneo Oriental, sem
que por isso assuma o papel autónomo
de decoração de grandes superfícies que
viria a ser o seu da Grécia clássica em diante.
O mosaico pavimental, tal como o
pág.
82
Fig. 3 - Pormenor do mosaico da
“caça ao leão”, Pella.
conhecemos hoje, teve origem nos pavimentos de calhau rolado das cultura
minóica, em Creta, micénica, na Grécia
e hetita, na Ásia Menor: os seixos eram
misturados com o reboco que iria cobrir o
pavimento da sala a decorar, sem porém
individualizar qualquer motivo aparente. A
destruição destas culturas pelas invasões
dóricas e frígias por volta de 1.200 a.C.
constituiu um ponto de viragem na arte do
mosaico: em Gordion, na Turquia, foram
descobertos os primeiros pavimentos de
calhaus rolados a preto e branco numa
composição de motivos geométricos. Datados do séc. 8 a.C., estes pavimentos
decoravam certamente as casas de famílias abastadas daquela cidade.
É bem mais tarde, já sob o domínio de Alexandre que o mosaico se vai transformar
numa arte em si: ainda que continuando a
recorrer a calhaus rolados colocados sobre
uma camada de argila, os artistas gregos
consideraram pela primeira vez a superfície a decorar como um todo, adaptando
a composição às características da sala e,
certamente, também aos desejos do proprietário da mesma. É no século IV a.C.
que vemos surgir composições tão belas
como a “caça ao leão”, em Pella (Fig. 3),
ou o mosaico loral de Sykion. É também
nesta época que aparecem os primeiros
mosaicos geométricos mais elaborados
cobrindo toda a superfície a decorar numa
sintaxe argumental resultante de um programa iconográico – decorativo, onde o
mosaico geométrico não constitui pano de
fundo para composições igurativas mas
constitui, por si só, o tema principal da
decoração (Fig.4).
Fig. 4 - Pella
A pouco e pouco, o calhau rolado vê-se
substituido por pequenos cubos de pedra
talhados pelo Homem, coexistindo ambos os materiais, por vezes, num mespág.
83
mo pavimento. Cedo porém a tessera se
tornou no material de eleição para a execução das composições musivas. Permitindo recorrer a uma maior gama de
materiais e cores, a uma maior perfeição
na expressão artística através do recurso
a diferentes tamanhos e formas para as
mesmas, o uso de tesselas abriu as portas a conceitos de decoração mais complexos tanto no que respeita à policromia
quanto ao programa iconográico que o
mandatário da obra quer ver realizado.
Alexandria , Pergamon, Delos são pontos
de referência no aperfeiçoamento da arte
musiva, tendo chegado até nós mosaicos
de rara beleza, testemunhos do mosaico
helenístico no seu auge.
Nos séculos II e I a.C. o mosaico torna-se
o elemento decorativo per excelence so-
bretudo das salas mais representativas de
uma casa. Os melhores exemplos chegados até nós vêm sem dúvida de Pompeia,
preservados pela lava e pelas cinzas do
Vesúvio. De ali nos chegaram mosaicos de
uma beleza requintada, comummente considerados como cópias de quadros ou de
mosaicos alexandrinos (Fig. 5).
De Itália, o mosaico espalha-se por todo o
Império, assumindo características muito
Fig. 7 - Villa cardilio, Sala g (torres Novas). ©Foto da autora.
próprias de região para região. Enquanto
que, em Itália, do último século da República em diante se desenvolvem, paralelamente aos pavimentos polícromos, outros
decorados com mosaico bicolor - preto e
branco - nas diferentes províncias do Império a arte musiva assume características
muito próprias a cada uma delas, espelhando na maior parte dos casos a prioridade
dada pelos mandatários das obras aos diferentes aspectos da sua vida quotidiana: temas mitológicos, cenas da vida quotidiana,
composições geométricas mais ou menos
complexas enriquecem a panóplia de temas
que as oicinas de mosaicistas – locais ou
itinerantes – executam com maior ou menor
perfeição.
Uma das regiões que mais inluenciou a
arte musiva tanto no que respeita aos temas
pág.
84
escolhidos para as composições quanto ao
estilo e aos motivos usados para as mesmas foi sem dúvida a Africa proconsularis
(a actual Tunísia), onde se encontra a maior
colecção de mosaicos romanos ainda existentes. Cidades como Cartago, El Djem,
Sousse, Thuburbo Majus, Oudna, Hadrumete, pólos de uma economia lorescente,
viram surgir oicinas de mosaicistas que, de
acordo com a vontade dos grandes propri-
Fig. 8 - milreu, podium.© Foto t. hauschild
etários fundiários que lhes encomendavam
a decoração dos solos das suas casas, executavam não apenas cenas mitológicas
como, e sobretudo, cenas representando
o dia a dia desses proprietários: cenas de
caça, a ceifa do trigo ou a vindima, jogos
de circo. A representação do Tempo e das
estações do ano, símbolo de renovação e
eternidade, não podia deixar de ocupar um
lugar de relevo no programa iconográico de
uma região sobretudo agrícola, tanto sob a
forma de iguras de corpo inteiro ou bustos,
ou recorrendo apenas aos atributos característicos de cada estação.
A inluência africana está fortemente presente nos mosaicos romanos encontrados
em Portugal, tanto no que respeita aos programas iconográicos escolhidos quanto
à sua execução inal. No entanto, também
aqui se pode assistir a uma interpretação
muito própria desses mesmos temas, dando origem por vezes a composições extraordinárias no seu simbolismo e expressividade. É o caso da representação das
estações do ano: encontramo-las em Conimbriga, na Casa dos Repuxos, no Rabaçal
e S. Vitória do Ameixial, numa representação “clássica” sob a forma de bustos. Mas
encontramo-las também em Pisões (Fot.
6), numa composição muito expressiva da
ligação do proprietário da villa à terra e à actividade agrícola. A inserção da cabeça da
Medusa, com as suas qualidades apotropeicas, nesse pavimento, dá uma relevância ainda maior ao signiicado da renovação
eterna da vida expresso pelas estações do
ano.
Um outro pavimento, este em Villa Cardilio,
Torres Novas, testemunha de uma interpretação mais complexa desta mesma temática. Executado certamente por uma oicina
“regional”, é expressão de um simbolismo
profundo reforçado pela inscrição que o
acompanha (Fot. 7).
No entanto, o mosaico não foi apenas utilizado para o revestimento e decoração de
solos: os mosaicos parietais, ainda que tenham chegado até nós em menor número,
foram igualmente utilizados para revestir
paredes e tectos, sobretudo de templos.
Milreu, no Algarve, é um extraordinário exemplo da beleza e da perfeição que alguns
desses mosaicos podiam atingir (Fot. 8). De
uma execução cuidada (veja-se, por exemplo, a perfeição e o pormenor na execução
das escamas de alguns peixes), estes mosaicos são expressão de um programa
iconográico muito cuidado, no âmbito do
qual a temática prioritária escolhida – a
água, a vida marinha – foi adaptada à sintaxe ornamental de cada uma das divisões
pág.
85
ou paredes a que se destinava.
Muitos outros temas podemos encontrar
ainda hoje nos mosaicos romanos de Portugal. De entre eles, os mosaicos geométricos ocupam um lugar de relevo, não só pelo
elevado número de solos que ornamentam
como também pelos programas iconográicos escolhidos, e que merecem um tratamento mais aprofundado.
Bibliograia
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Pessoa (M.) 2005, Arte sempre nova nos mosaicos romanos das Estações do Ano em Portugal, Rabaçal.
AS mulhereS em romA...
«Feio é o campo sem erva e o
arbusto sem folhas e a cabeça
sem cabelo»
Ovídio in «Arte de Amar»
«Há quem, à luz que alumia
os longos serões de inverno,
abique archotes com um ferro
acerado, enquanto a esposa,
que suaviza com o canto o seu
labor, passeia no tear o pente
de som harmonioso, ou coze ao
lume o doce mosto, e escuma
com um ramo o líquido que
ferve no tacho».
(Virgílio, As Geórgicas: 290-295)
Dedico este artigo a Maria de Jesus
Kremer, minha colega e amiga, e a
Teresa Monteverde Plantier Saraiva,
companheira assídua do «Portugal
Romano»
Filomena Barata
pág.
86
estátua sentada de lívia
retratos romanos do museo Arqueológico Nacional, madrid (espanha)
Foto: raul losada
Sabia que...
texto: Filomena Barata
S
abia que Roma é ancestralmente
uma sociedade patriarcal. À cabeça de
cada grupo estava um pater familias que
exercia o seu poder até à morte, podendo
decidir da vida ou morte dos seus ilhos. É
só ele que pode participar na vida política,
nas assembleias, no Senado, nas magistraturas, e no âmbito familiar, era o homem
que presidia e assumia juridicamente a
função predominante, ou seja, para todos
os efeitos, comandava a casa.
Brincos romanos de miróbriga encontrados junto do «templo
de Vénus»
Pelo casamento, coniunctio maris et feminae, ou seja «a união de um homem e
uma mulher» a mulher passava a depender da família do marido, icando submetida a um poder familiar semelhante ao que
tinha em casa antes do matrimónio, pois o
esposo podia também decidir da sua vida.
A vida política cingia-se ao universo masculino.
Quando casada, era, de facto “senhora da
casa”, a domina, não sendo, contudo, reclusa nos aposentos das mulheres, Geniceu, como acontecia na Grécia Antiga.
pág.
87
Por concessão do marido ela assumia o
governo da casa (cura) e passava a ter direito às chaves do cofre-forte. A mulher é,
por excelência a materfamilia ou matrona.
Tomava também conta dos escravos, omnipresentes em casa, e participava das
refeições com o marido, como se pode
veriicar no Banquete, saía (usando a “stola matronalis”), tinha acesso aos tribunais
e participava nos espectáculos públicos,
sendo, por isso, criticada por Juvenal e
pelo cristão Tertuliano, pois assumia uma
presença pública não se cingindo às actividades domésticas ou aos tempos livres
entre bordados.
Roma não é, contudo, um mundo estanque
e imutável e a condição da mulher vaise alterando ao longo do tempo. Com o
crescimento de Roma, a mulher foi gradualmente adquirindo autonomia, podendo
inclusivamente participar da herança dos
bens paternos, sendo sabido que, a partir
do século II a.C., é notório um processo
de emancipação social e jurídica que se
manifesta quer no casamento, no divórcio,
nas heranças e na própria manutenção do
seu nome de família.
Se bem que a generalidade das meninas
romanas recebesse apenas uma instrução
básica, pois a sua função primordial era
prepararem-se para ser esposas e mães,
houve muitos exemplos de mulheres que
exerceram inluentes proissões e que dirigiram negócios lucrativos. Há também
inúmeros casos de mulheres versadas em
Literatura.
O rosto era embelezado e os cabelos tratados e penteados de diferentes formas,
também dependendo das épocas e respectivas modas, se bem que em público
tivessem o costume de cobrir a cabeça.
Figura feminina vestida. Séculos I - II. São miguel da mota. terena.
museu Nacional de Arqueologia.
No entanto, o vestuário foi-se soisticando
e, já durante a República, só os jovens e
as cortesãs usam toga. As matronas utilizavam sobre a stola (túnica ou vestido
comprido cingindo nas ancas) a palla
(grande mantilha pregueada sem costuras que, ao contrário da toga, cobria os
dois ombros, servindo também para cobrir
a cabeça). Um vestido inferior com mangas era usado sob a stola.
As mulheres de condição mais elevada
usavam tecidos ricos bordados e importados das várias partes do império.
pág.
88
retrato de lívia, mulher do imperador Augusto».
criptopórtico de Aeminium, museu Nacional machado de castro.
«Um diadema, parcialmente oculto por
véu, indica que se trata de um membro da
família imperial que não é possível identiicar com segurança, embora apresente
semelhanças com o retrato de Lívia, mulher do imperador Augusto». Criptopórtico
de Aeminium, Museu Nacional Machado
de Castro.
“Em Roma, o cabelo e o seu arranjo eram
considerados um elemento fundamental
do atractivo de uma mulher, assim como
um sinal da sua idade, posição social e função pública”, (Bruno Ruiz-Nicoli in Rostos
de Roma. Évora: Museu de Évora, 2010,
p. 48), sendo os penteados de Época Imperial caracterizados por uma enorme
exuberância, sobretudo a partir da Dinastia julio-claudiana e que atinge o auge na
época falviana e no reinado de Trajano
que, de algum modo, contrastando com
a contenção veriicada na Época de Augusto que se ilia na tradição helenística.
«Partindo dos simples arranjos da primeira metade do século I a.C., chegamos, em
meados desse mesmo século, às modas
de origem helenística que são muito contidas, devido ao regresso à tradição que
marca a época de Augusto. Esta moderação mantém-se na época julio-claudina
até à chegada de Nero e é a partir desse
momento que se inicia um vertiginoso desenvolvimento dos penteados, que alcança a sua máxima expressão em inais do
século I, na época laviana e no reinado
de Trajano» (Bruno Ruiz-Nicoli in Rostos
de Roma. Évora: Museu de Évora, 2010,
pp. 61-62).
Segundo o autor latino do século II d.C.
Luciano «as mulheres dedicam a maior
parte dos seus esforços à trança dos seus
cabelos» Amores, 38-41.
As mulheres também recorriam a
colorações, sendo comum o uso da henna
importada do Oriente e socorriam-se de
extensões ou perucas para os casos de
insuiciência de cabelos.
Assim nos diz o moralista Tertuliano no
seu «A Moda Feminina/Os Espectáculos»:
«Vejo que algumas de vós que pintam os
cabelos com açafrão chegam a enverpág.
89
gonhar-se da sua pátria, de não terem
nascido na Germância ou na Gália. Trocam, assim, a Pátria pela cabeleira. Coisa
ruim, coisa péssima a si mesmas pressagiam com a sua cabeça da cor do fogo».
representação de Agripina, proveniente
das ruínas de milreu, museu de Faro.
Até determinada altura, o elemento básico do vestuário, seja feminino ou masculino, foi, até determinada altura, a toga, ao
ponto de Virgílio na Eneida(I, 282) chamar
aos Romanos «os senhores do mundo, o
povo da toga».
Os caracóis, por usa vez, obtinham-se
com o recurso ao calamistrum, um instrumento metálico que se aquecia ao lume
de forma a obter os efeitos desejados.
Usavam também os cabelos presos em
carrapitos, ”tótós” ou tranças, sendo célebres as de Faustina, a Maior, casada em
126 com o futuro imperador Antonino Pio
de que existem várias representações.
O século III assiste à moda do cabelo usado com “o risco ao meio” caindo para os
lados em ondas fortemente modeladas e
apanhado depois numa série de tranças
que ascendem até à parte superior do
crânio.
Para prender os cabelos usavam alinetes,
os acus crinalis, a exemplo de um alinete
de cabelo em osso, proveniente das Ruínas de Tróia, cujo topo é «rematado por
um busto feminino, com toucado e cabelo
bem deinido e com face singelamente
Eram usados múltiplos adereços, desde
anéis, muitas vezes com pedras, colares
e pingentes, brincos, pulseiras, bracetes e
diademas, camafeus valendo a pena, em
Portugal, entre tantos outros, conhecer o
acervo do Museu de Conímbriga.
tos ligeiramente inclinada para a direita.
Poderá tratar-se de uma Ménade ou de
Cassandra? (segundo G. Cravinho, op.cit/
Matriznet)».
Este símbolo, que representa a feminilidade, foi adoptado para deinir o género
feminino. (Ver «Alcácer, Terra de Deusas,
Esmeralda Gomes, Marisol Aires Ferreira
e António Rafael Carvalho, 2008, Câmara
Municipal de Alcácer do Sal).
A propósito dos cuidados femininos, diznos ainda no século II Tertuliano «De facto, embora não se deva acusar a beleza –
a qual é a graça do corpo, o acabamento
da modelação divina, um agradável vestimento da alma – ela haverá, no entanto,
que ser temida, nem que seja por causa
dos ultrajes e das violências daqueles que
andam atrás dela» (p: 57).
camafeu com busto feminino em relevo, século I d.c.
Proveniente das ruínas da cidade romana de Ammaia - museu
Nacional de Arqueologia.
cabeça de Ninfa, Século II. Proveniência desconhecida. mNA.
retrato Agripina minor
museu Arqueológico Nacional, madrid
talhada e túnica estilizada por meio de
linhas incisas oblíquas».
(Informação obtida no Museu Nacional de
Arqueologia, a cujo acervo pertence).
pág.
90
Os camafeus também estiveram muito
em voga em Roma, referindo um exemplar publicado no «Portugal Romano»,
proveniente da cidade de Ammaia (São
Salvador da Aramenha) , depositado no
Museu Nacional de Arqueologia.
Trata-se de um «Camafeu com busto feminino em relevo, século I d.C.
De cornalina de cor de salmão escuro
e de forma oval. O busto apresenta-se
em posição frontal e cabeça a três quar-
As mulheres não dispensavam os espelhos para os seus cuidados de embelezamento nem prenestinas, ou seja, os cofres
em bronze que continham os acessórios
de embelezamento feminino, nem os seus
perfumes e unguentos. Defende-se mesmo que Vénus, essa deusa do amor e da
beleza, que na mitologia romana substitui
a Grega Afrodite tem como seu símbolo ♀
(um círculo com uma pequena cruz equilateral) que parece ser a representação
gráica ou símbolo abstracto do espelho
de Vénus.
colares em ouro. colecção de ourivesaria. mNA.
Artigo elaborado a partir de:
www.portugalromano.com/2011/04/filomenabarata-as-mulheres-em-roma
pág.
91
leNdA PoPulAr de SAlÁcIA
(Alcácer do Sal)
a verdade, ao que parece, Alcácer do
Sal foi fundada pelos lusitanos no ano Vlll
de César, isto é trinta anos antes de Cristo,
atribuindo-a a uma lenda que reza o seguinte:
Bugud, califa africano, invadiu a Lusitânia,
pondo as povoações a ferro e fogo.
Havia na região de Alcácer, um tempo dedicado à deusa Salácia (um dos nomes da deusa Diana), que foi profanado pelos africanos.
Quando estes se faziam ao mar, porém, um
grande temporal destruiu as embarcações,
perecendo no naufrágio a maioria dos
invasores, e perdendo-se as riquezas roubadas.
lendas e estórias
N
“
Os lusitanos viram no acontecimento um milagre da Deusa, e fundaram uma vila a que
deram o nome de Salácia. Há também uma
corrente de opinião para quem o nome de
Salácia se referia, não à Deusa, mas à abundância de sal existente na região.”
(Narrada pelo Dr. Rocha Martins em 1935)
mosaico «triunfo Indiano de Baco» proveniente de torre de
Palma, monforte, Séculos III-IV. mNA
Foto: moeda romana de Salácia
Anv. - cabeça de Neptuno à direita, atrás o tridente
Rev. - Entre dois golinhos à direita, o topónimo abreviado ImP-SAl, orla pontuada.
pág.
92
Segundo esta mesma lenda, Salácia era uma
ninfa, prometida em casamento ao grande
rei dos mares, Neptuno. Antes do acto se
concretizar Salácia revoltou-se e escondeuse no fundo do oceano. Neptuno mandou
todas as criaturas marinhas do mundo em
sua busca. Foi bem-sucedido um golinho
que encontrou a ninfa, entregando-a para
casamento ao grande rei. Salácia é assim,
segundo a lenda, a rainha dos oceanos.
pág.
93
roteIro ArqueológIco romANo
do coNcelho de cAScAIS
texto: raúl losada
roteiro
duração: 5 horas
distancia: aprox. 35km
pág.
94
INtrodução
Trata-se de um primeiro esboço de roteiro ar-
queológico dedicado à Ocupação Romana do
Município de Cascais, tendo sido seleccionados
os mais notáveis vestígios visitáveis no Concelho.
Recorremos ao trabalho desenvolvido pelo Professor José d’Encarnação e Mestre Arqueólogo
Guilherme Cardoso, que, ao longo dos últimos
anos, estudaram, através de escavações arqueológicas, valorizaram e editaram várias importantes publicações sobre este importante legado.
Através da Carta Arqueológica de Cascais, da autoria de Guilherme Cardoso, viajámos no tempo e
fomos em busca dos vestígios romanos. Segundo
este arqueólogo, a região que agora corresponde
ao Município de Cascais foi profundamente ocupada e explorada no período romano.
A proximidade da Cidade Romana de Olisipo e
do seu porto beneiciaram toda a região, possibilitando o incremento do comércio com o resto do
Império.
As datações mais antigas de ocupação romana
do Concelho apontam para o século I a.C. , contudo os vestígios mais abundantes são dos séculos
seguintes, em especial do Baixo Império.
Os romanos desenvolveram a agricultura local,
cultivando a vinha, a oliveira e o trigo. Na Villa
Romana de Freiria comprovou-se pelos vestígios
encontrados a existência de um lagar e um celeiro de grandes dimensões.
A produção de tecidos em linho, e possivelmente
lã e respectiva tintura, está comprovada em
Casais Velhos e no Bom Sucesso. Exploraram-se
também pedreiras de mármore em Porto Covo e
São Domingos de Rana, de calcário em Freiria
e de grés em toda a área de entre Abuxarda e
Bicesse.
A pesca encontra-se documentada como actividade secundária no Alto da Cidreira e no centro
da Vila de Cascais, não sendo signiicativos os
dados ainda conhecidos que possam apontar a
existência de uma indústria conserveira no litoral
do Concelho.
pág.
95
VIllA romANA de FreIrIA
local: rua de Freiria, outeiro da Polima, São domingos de rana
gPS: 38.72050370024602 ; -9.322827458381652
Foi o arqueólogo Virgílio Correia Pinto da
Fonseca (1888-1944) quem, em 1912, depois de ter encontrado uma sepultura romana junto a uma pedreira e numa tentativa de localizar uma necrópole, reportou
em primeira mão a existência de vestígios
de ocupação romana nesta zona do concelho de Cascais.
Houve, contudo, que esperar pelo ano de
1980 para que a Villa de arquitectura civil
romana construída no século II d.C. fosse
encontrada e estudada sistematicamente
pelos arqueólogos Guilherme Cardoso e
José d´Encarnação, permitindo, entre outros aspectos, conirmar uma permanência
humana no local desde o Calcolítico.
Na área envolvente encontraram-se vestígios cerâmicos do período Neolítico o que
documenta que, em Freiria, os Romanos
vieram instalar-se num local já anteriormente ocupado, durante milénios, pelas
populações que os antecederam.
Trata-se de uma Villa Romana, podendo
pág.
96
considerar-se um dos exemplos mais
completos deste tipo de residência na
Península Ibérica que se destaca por dois
motivos:
Pela monumentalidade e beleza do celeiro que só tem paralelo noutro exemplar
da Península Ibérica, na Villa Romana de
Monroy, perto de Cáceres;
Pela existência de um quadrante solar,
que é uma das raras peças do género
achadas no território nacional.
Um dos primeiros proprietários da Villa
Romana foi certamente T(itus) Curiatius
Ruinus, pois foi achada uma ara com inscrição deste dedicada à divindade préromana Tribunnis.
Nas várias campanhas arqueológicas,
conduzidas pelos arqueólogos Guilherme
Cardoso e José d´Encarnação, foram
descobertos:
A Domus que revelou uma estrutura
bastante delicada, com átrio, Peristilo
(pátio interior) e impluvium circundado de
“espelhos de água” e o envolvente corredor provido de colunas, de que se encontraram diversas bases no seu local primitivo, bem como alguns capitéis, para além
de determinados pavimentos, incluindo
o de um provável triclinium, cobertos de
mosaicos polícromos de motivos geométricos e paredes decoradas com estuques
pintados.
Tal como é comum acontecer, a estrutura
arquitectónica inicial da casa foi alvo de
algumas remodelações pontuais, fruto do
decorrer dos tempos e das novas necessidades quotidianas que se impunham. Pela
análise dos fragmentos cerâmicos recolhidos até ao momento, foi possível identiicar duas dessas fases construtivas, ocorridas entre os séculos I e VI dC.
As Termas da Villa, de que foram identiicados o hipocausto e dois tanques, de
água fria e quente, revestidos a opus signinum
A pars fructuaria da Villa encontra-se
bem estudada e era constituída por um
celeiro, localizado a sudeste, ao qual
estaria associada a parte inferior de um
moinho, tendo-se ainda encontrado um lajeado a circundá-lo; uma vasta camada de
telhas, eventualmente pertencente a uma
passagem coberta que estabeleceria a ligação entre a Villa fructuaria, composta
do Celeiro e o Lagar, e a área residencial,
constituída pela Domus e pelo complexo
termal; um Lagar para obtenção de azeite,
como parece testemunhar um peso de
sarilho semelhante aos usados nestas
estruturas; o Forno de cozer pão, depois
de ter sido destituído da sua função inicial
após o século IV d.C..
A pars rustica seria abastecida de água
proveniente de um tanque-represa, com
base revestida a opus signinum, erguido
junto à ribeira que corre nas proximidades.
Uma necrópole na margem oposta estava
associada à Villa Romana, sendo constituída pelo ustrinum (local de cremação
dos corpos) e por mais de duas dezenas
de enterramentos com urnas de incineração de inumação, estas últimas sem
qualquer espólio, sendo, no entanto, de
destacar a presença de uma lucerna decorada com a igura da deusa Diana numa
das sepulturas de cremação.
estrutura do celeiro
foto: miguel rosenstok
pág.
97
ePIgrAFIA romANA de
ruFo e FuNdANA
VIllA romANA do Alto dA cIdreIrA
local: rua da cidreira, cascais
gPS: 38.72153747530683 ; -9.423442482948303
local: Igreja matriz de Alcabideche
largo de São Vicente, Alcabideche
gPS: 38.7302507258494 ;
-9.40804123878479
Embutida na parede norte exterior da Ig-
reja Matriz de Alcabideche, encontra-se
uma cupa funerária romana, de mármore
róseo de São Domingos de Rana.
Segundo o Guilherme Cardoso e José
d’Encarnação, que a identiicaram em
Setembro de 1985, durante as obras de
restauro do templo, trata-se de mais um
testemunho da gens Iulia, adscrita pela tribo Galéria ao município de Lisboa, antiga
Olisipo.
O texto epigráico refere dois defuntos,
pelo que será um monumento mandado
fazer pela ilha para o Pai e para si própria,
ainda em vida
«Aqui jaz Gaio Julio Rufo, da tribo Galeria, de vinte cinco anos, e aqui jaz Julia
Fundana, ilha de Gaio.»
Esta epigraia é datada do século I d.C.
pág.
98
Foi o conhecido geólogo Francisco de Paula
Oliveira, dos Serviços Geológicos, quem, em
inais dos anos noventa do século XIX, referiu, pela primeira vez, a existência da Villa
romana do Alto do Cidreira”, classiicada em
1992 como “Imóvel de Interesse Público”.
Foi, no entanto, necessário esperar pelo inal da década de setenta do século XX para
que o sítio arqueológico fosse sistematicamente investigado pelos arqueólogos Guilherme Cardoso e José d’Encarnação.
Provavelmente ediicada durante o século I
d. C., a Domus desta Villa tinha dois andares
e possuía alguns compartimentos pavimentados com mosaicos polícromos, como se
pode concluir pelas tesselae exumadas no
local.
Como sucede com as demais Villae romanas, também a do “Alto da Cidreira” foi
dotada de um complexo termal, com as
respectivas condutas de água e hipocausto,
infelizmente bastante descaracterizado pela
contínua circulação de pessoas e veículos
no sítio arqueológico.
Foi também encontrado um tanque semicircular pertencente ao frigidarium, bem como
o praefurnium, destinado ao aquecimento
do ar que circulava sob o pavimento e da
própria água dos tanques.
Foi identiicado a Sudoeste da villa um
aqueduto subterrâneo, a necrópole e algumas estruturas romanas e silos medievais,
a assegurar, no fundo, a reutilização do espaço ao longo dos séculos subsequentes
à sua construção inicial, tal como foram
reconhecidos elementos atribuídos a períodos de ocupação humana anteriores à estrutura romana.
Quanto à pars rústica é de assinalar os
tanques de que havia relatos dos princípios do século XX, localizados na encosta
meridional (Bom Sucesso), tanques esses que, pelas descrições deixadas, se
poderiam referir a um complexo industrial,
possivelmente de tinturaria com duas
pequenas tinas de cerca de 1 metro de profundidade. Um grande reservatório alimentava todo o complexo, aigurando-se comparável ao dos Casais Velhos, pelo que
uma função idêntica não será, porventura,
hipótese a menosprezar.
Do espólio exumado, destaque-se os utensílios ligados à tecelagem: uma tabuinha de
tecelagem, um separador de tear decorado
geometricamente e diversos fragmentos
de agulhas. E, pelo seu carácter singular,
referimos ainda a mini máscara de terracota (22 x 24 mm.), representando um negro, que actualmente se encontra exposta
na mostra de arqueologia do Município no
Museu dos Condes de Castro Guimarães,
em Cascais.
Relativamente perto da Villa é de salientar
a presença de uma necrópole tardo-romano/visigótica com sepulturas delimitadas
por esteios de calcário. Algumas continham mais do que um esqueleto e jóias,
pequenas vasilhas e numa delas recolheuse uma espada muito oxidada.
Actualmente o sítio arqueológico escondese por entre uma densa vegetação. No
lado norte da vigia militar encontram-se
pequenos fragmentos de cerâmica da
Idade do Bronze e do Ferro, a sul encontra
a necrópole.
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eStAção luSItANA-romANA doS cASAIS VelhoS
local: rua de São rafael, Areia, cascais
gPS: 38.725563614577226 ; -9.463434219360351
complexo de tinturaria
Povoado
romano com complexo industrial possuidor de características únicas na
Península Ibérica e integrando uma fábrica
de preparação de púrpura.
Descoberto em 1945 por Afonso do Paço e
Fausto de Figueiredo com a ajuda de alguns
trabalhadores do Município que iniciaram
curtas escavações em redor da área descoberta.
Dado a pequena área escavada pode-se airmar a sua ocupação no século II d.C., mas
mantêm-se em aberto uma datação inal de
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tiga, já que os Fenícios utilizavam o corante
de púrpura (que era extraído de seu interior)
como fonte de comercialização.
ralhado, são ainda de salientar, segundo o
arqueólogo Guilherme Cardoso, os vestígios
das muralhas e as necrópoles de inumação.
A existência de um edifício no complexo da
villa identiicado como sendo uma Tinturaria.
As tinas serviriam para o tecido ser mergulhado na solução do corante e em seguida
posto ao sol para que a cor aparecesse, esta
descoberta torna o local único na península
ibérica.
A villa possuía três locais distintos de enterramento tardo-romano, dois a sul e um a poente com sepulturas do tipo “caixa”, delimitadas
por esteios afeiçoados em calcário, e com os
corpos depositados em decúbito dorsal, voltados para Nascente.
Nestes locais foram encontradas moedas datáveis de entre os anos 205 e 405 da nora era
(do tempos dos imperadores Teodósio, Constâncio II, Constante, Constantino e Arcádio),
o que sugere uma ocupação mais intensa do
local exactamente nos inais do Império Romano do Ocidente. De enorme importância,
é ainda uma moeda encontrada numa sepultura, que mantém ainda o seu invólucro de
tecido de linho, peça raríssima e do maior interesse histórico.
O espólio resultante das intervenções de D.
António de Castelo Branco e Octávio Reinaldo da Veiga Ferreira, encontra-se na reserva
arqueológica do Município de Cascais e do
qual se destaca: Algumas jóias, como uns
brincos de bronze, uma agulha de bronze,
Cerâmicas das quais, uma bilha com decoração no bojo, e uma Lucerna.
A pars urbana desta Villa era constituída pelo
característico complexo termal composto do
frigidarium (para o banho frio), de uma sala
tépida de transição e do praefurnium, destinado ao aquecimento do ar que circulava sob
o pavimento e da própria água dos tanques
de coniguração semicircular. Além disso, foi
identiicado um tanque de grandes dimensões, possivelmente o natatio, tradicionalmente rasgado a céu aberto.
Este era servido por um Aqueduto, de que
restam os vestígios da estrutura que transportava a água do nascente do Alto do Selão
até à villa de Casais Velhos, numa distância
de 700 m.
Para além destes vestígios de construção
romana e de outros restos ainda indeterminados que aloram dentro do circuito amu-
ocupação do local.
É provável que o povoado tivesse como actividade principal a preparação da púrpura.
Esta airmação é corroborada com a existência de compartimentos com tinas ou cubas
com encaixe para tampas herméticas, que se
adequavam ao propósito, bem como e descoberta numa lixeira do povoado, de abundantes conchas de múrex, molusco marinho
de onde provem a púrpura, este molusco
era de grande valia económica na Idade Antermas
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